2019 - Cláudia Paiva Silva

Wednesday, December 18, 2019

Livros para o Natal, Livros para quem Lê
December 18, 20190 Comments
Aproveitando para dizer que em termos estatísticos os portugueses ficam abaixo da linha de água no que diz respeito à aquisição de literatura, aqui deixo alguns títulos que deveriam mudar esses números. Larguem os telemoveis e troquem por livros, físicos ou em formato e-book (os smartphones, kindles, tablets e iPads permitem também ler outras coisas!). A vossa mente e capacidade de imaginação também! 


 Do Brasil, com Amor.

Para começar temos a biografia de Fernanda Montenegro “Prólogo, Ato, Epílogo”. Aos 80 anos a musa da televisão e cinema brasileiros tornou-se imortal em vida quando foi atacada publicamente em Outubro último pelo atual diretor de Artes Cénicas da FUNARTE Roberto Alvim, após ser capa do jornal literário Quatro, Cinco, Um. Neste, surge como uma herege prestes a ser queimada numa pira da Santa Inquisição e insurge-se enquanto ativista em defesa da democracia no meio cultural. Adjetivando a artista como “sórdida” e “desprezível”, Alvim apenas conseguiu que Montenegro se elevasse ainda mais na hierarquia cultural brasileira e mundial, principalmente numa época em que a censura parece regressar ao país tropical de língua portuguesa. Contudo e singelamente, a sua biografia, escrita a par com Marta Góes (Companhia das Letras), apenas conta o seu percurso até à atualidade, episódios de vida desde que os avós atravessaram o oceano em rumo de uma vida melhor. A forma como Arlette Pinheiro Esteves se transformou em Fernanda, nas inúmeras peças de teatro que foi estrela, sabendo de antemão que não seria pela sua beleza mas sim pela sua atitude em palco que faria a diferença. Um livro não (totalmente) político que se lê facilmente como um romance, sendo sério e mordaz, onde os momentos mais duros da vida da artista são combatidos com momentos de humor e onde às vezes, muitas vezes, se percebe o tom sarcástico com que Fernanda vê o mundo onde se encontra.



De seguida, apresenta-se “Essa Gente” (Companhia das Letras) de Chico Buarque. Cantor, escritor, autor e vencedor do Prémio Camões 2019, Buarque tem todo um país contra e a favor dele. E em “Essa Gente” a história em forma de diário de um escritor famoso mas em plena crise de meia-idade, bate certeiramente com a vida atual no Rio de Janeiro (e no Brasil), pautando entre as questões pessoas e metafísicas, sociais e políticas. Buarque, ainda no meio do furacão pela não assinatura de Balsonaro ao Prémio Camões atribuído por Portugal, acaba por sair vencedor como sempre, e este livro é apenas um estalo sem mão à atual política cultural brasileira onde se assiste a uma “vingança” do próprio Presidente contra todos os que o atacam. Uma “censura” camuflada onde filmes e peças de teatro não são impedidos ou cancelados de estrear, mas sim “adiados por tempo indeterminado” de serem apresentados ao grande público.


Escrito por Alexandra Lucas Coelho, jornalista e autora portuguesa, “Cinco Voltas na Bahia e um Beijo para Caetano Veloso” (Caminho), começou com um pedido do cantor à escritora. Um livro dedicado à sua terra natal, um livro que falasse sobre as pessoas, os locais, sítios e cheiros. Para quem conhece a Bahia e o Recôncavo baianos, Estados ligados como siameses, percebe facilmente que este texto de Alexandra só poderá ser extremamente especial e pessoal. Uma viagem a Salvador é como um despertar de sentidos, sabendo que foi ali onde os primeiros portugueses puseram pé, passando tormentas e tempestades. Foi o marco inicial para o melhor e para o pior dos Descobrimentos, mas é nesta capital que pudemos afirmar também que estamos em Casa, com as suas ruas tão tradicionais, tão portuguesas, as suas igrejas cristãs umas coladas às outras, o candomblé, o som e batuque vindo dos terreiros, a comida com inspiração africana, o cheiro a maresia assim que nos voltamos neste caso, neste meridiano, para leste. Mais, “Cinco Voltas na Bahia” é um mapa também pelo sertão, quase roçando os limites com a Chapada Diamantina, onde quilómetros de estrada nos levam a percorrer paisagens de tons ocre, aqui e ali com vegetação seca, típica, e onde, aqui e ali, surgem casarios, e onde, aqui e ali, saltam crianças ávidas de pessoas, de novidades. Alexandra Lucas Coelho transmite-nos esta ideia e muito mais. Jorge Amado poderá estar orgulhoso! Caetano e todos os beijos que merece, também!


Para concluir o núcleo dedicado ao Atlântico Sul, aparece o livro “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” (Porto Editora) escrito por Martha Batalha. Atravessando o Brasil desde a década de 40 até aos dias de hoje, conta a histórias de duas irmãs filhas de portugueses num Rio de Janeiro desaparecido. A história aparentemente banal é, no entanto, muito diferente do que os leitores possam imaginar. Guida e Eurídice tinham sonhos, mas o desaparecimento da primeira, após uma paixão proibida e uma gravidez “vergonhosa” para o seu Pai, levam a que a outra opte por abdicar de tudo o que queria fazer, tornando-se assim, a filha e esposa obediente, perfeita, mãe de família, doméstica sem vocação. Apesar do “bom marido”, Eurídice é miseravelmente infeliz, e a sua história não é diferente nem das mulheres nascidas na mesma época e que foram educadas apenas para serem boas donas de casa, tal como a violência que acaba por sofrer, mais psicológica, menos física, mas em qualquer caso, fatal, não é diferente da violência que as mulheres sofrem até ao dia de hoje, numa luta desigual para serem ouvidas e respeitadas dentro das suas famílias.
O livro foi adaptado ao cinema por Karim Ainouz e em Maio ganhou o Prémio Um Certo Olhar no Festival de Cannes. Estreou agora no Brasil envolto em aplausos e, mais uma vez, é levado a concorrer ao Óscar de Melhor Filme Internacional, com a especial intenção de levar também o nome de Fernanda Montenegro novamente à nomeação de Melhor Atriz Secundária.


Um policial e uma história da História.

Já em ambiente policial, Francisco José Viegas regressa agora com mais um caso do Inspetor Jaime Ramos, “A Luz de Pequim” (Porto Editora). Agora aos 60 anos, sendo pressionado para deixar a Polícia, Ramos tem de lidar não só com uma auditoria interna em relação ao seu trabalho de uma vida, como com a resolução de um caso que o leva a viajar até à China, ao mesmo tempo que vai relembrando pedaços da sua vida com eternos amigos e companheiros na sua cidade do Porto. Tal como Ramos, o protagonista que neste momento já nada tem a perder e prefere deixar a hipocrisia de lado, nomeadamente quando o caso começa a mexer com os meandros cinzentos da política nacional, o seu “criador” José Viegas, também já não tem problemas em colocar-se como um dos principais e melhores escritores nacionais, que por via de várias entrevistas e através da sua personagem, vai colocando os pontos nos i’s ao “politicamente correto” que parece estar a crescer na sociedade lusa atual. Não se pode deixar de falar dos assuntos, apenas porque são incómodos. Devem ser mencionados e discutidos exatamente por ainda causarem incómodo.


Por fim, mas não menos importante, temos um retrato da sociedade política e jornalística durante os 8 anos a seguir à Revolução de Abril. Manuela de Sousa Rama será porventura mais reconhecida pela sua presença na RTP, mas este seu primeiro romance histórico “A Culpa foi da Revolução” (Clube do Autor), certamente enche a vontade de saber mais sobre uma época conturbada na História nacional, nomeadamente o pós-25 de Abril. Aproveitando a fase de revivalismos, (e aproveitando o regresso da série “Conta-me como Foi”, passada agora na década de 80) Sousa Rama traz a lume os acontecimentos que procederam a revolução e o tempo que se seguiu até à dissolução do Conselho da Revolução no ano de 1982, baseando-se em factos verídicos. Numa crítica (ainda que indireta) às escolhas feitas nessa fase tão peculiar, principalmente a pressão sentida pela imprensa nacional, podemos identificar que a censura nunca acabou, simplesmente terá mudado a cor política, algo que hoje, ainda se verifica de forma pouco dissimulada nos órgãos de comunicação social. O que adianta uma mudança para melhor, se o resultado final poderá ser na mesma medida, redutor da liberdade de expressão? “A Culpa foi da Revolução” não é um romance político por si, nem aponta dedos a ninguém, simplesmente mostra como a História tem tantas ramificações e muitas vezes, os erros do passado, perpetuam-se num futuro que permanece incerto.



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Tuesday, December 03, 2019

Renate Graf e a fotografia que faz pensar
December 03, 20190 Comments


“Não sou fotógrafa no sentido clássico, as minhas imagens existem para servir diferentes propósitos daqueles dos verdadeiros fotógrafos, não sendo completas ou conclusivas. Nem são fotografias perfeitas no ponto de vista de perfeição técnica. Elas funcionam não somente como imagem, mas como linguagem, como sinais apontando a algum significado…”. É assim que Renate Graf, fotógrafa austríaca se define. Desde os desertos de Marrocos, captando o detalhe das areias sendo transportadas pelo vento no Atlas, às montanhas do Utah, nos Estados Unidos, passando aos festivais de cores garridas na Índia, onde consegue, mesmo em fotografias a preto e branco, transmitir a palete cenográfica de rituais culturais, Renate é acima de tudo uma coletora de momentos e memórias. Não querendo colocar-se no mesmo estatuto que outros grandes fotógrafos, a verdade é que Graf é uma das mais brilhantes fotógrafas mundiais. As suas imagens revelam um cuidado e uma estética muito particulares, e sem dúvida que as mesmas, tiradas em locais tão místicos, como templos hindus, ou misteriosos e inóspitos, como as planícies de gelo na Sibéria, lhe auferem o estatuto dos Grandes.






Na verdade, Renate Graf começou de forma simples a sua carreira em fotografia há pouco mais de duas décadas. Somente após um amigo lhe ter oferecido uma Canon automática, e após começar a viajar com o seu companheiro, o reconhecido pintor e escultor alemão Anselm Kiefer, é que iniciou o hábito de fazer diários fotográficos. O essencial para ela, é poder relatar os códigos culturais e a forma como os mesmos se vão alterando no tempo e no espaço. De uma Europa pós Segunda Guerra Mundial, na qual Graf cresceu, passando pela queda da URSS, chegando ao mundo globalizado e multicultural dos dias de hoje, Renate declara que tenta sempre adicionar algo ou uma palavra que proporcione uma ideia ou pensamento, ao mesmo tempo que reconhece o desafio constante que as mudanças de Poder, de costumes e moral, possam empregar nas suas imagens.

A viver atualmente em Portugal (Comporta, Setúbal), define o povo português como tolerante e musical, muito graças à influência das várias "energias" provenientes de outros países. Mas é o mar que, para ela, nos destaca entre os demais: "os portugueses não olham para a Europa, mas sim para o mar, o que torna tudo muito especial e é uma visão poética". 

Quanto ao futuro, basta dar uma espreitadela à sua página de Instagram @renategraf: pensando em mover-se do registo em livro para filme, podemos já observar algumas imagens a cor e movimento, simples, feitas possivelmente com um intuito ainda "rascunho", fazendo lembrar Anton Corbijn (@antoncorbijn). 


A exposição está patente até ao final de Dezembro no Palácio dos Anjos em Algés. 




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Wednesday, November 20, 2019

O nosso Purgatório; a nossa Purga
November 20, 20190 Comments
Nem sempre é fácil pegar nos textos clássicos, levá-los a palco e fazer com que o público entenda. Não porque sejamos tontos, mas porque muitas vezes os contextos históricos mudam e tudo parece muito velho, muito antigo, tão antigo que nem parece real, ou que possa ter realmente ocorrido. Contudo, quando transportados à realidade atual e integrados no nosso dia-a-dia, estes textos, tão velhos, seculares, parece que batem em cheio, que foram escritos para nós, todos, como um núcleo, para que possamos ouvir, ver, acima de tudo pensar e perceber. 
Até dia 24 de Novembro aconselho a verem a peça O Purgatório, segundo ciclo da Divina Comédia de Dante Alighieri, no Teatro Nacional Dona Maria II. Uma vez mais trazido à luz pela Companhia de Teatro O Bando, depois do simbolismo de Inferno em 2017. Quanto mais não seja para esse esforço maior que é realmente o "tentar perceber as coisas" que nos rodeiam, para onde vamos e de onde viemos. Qual é este "purgatório" por onde estamos a passar, quase em rebanho de ovelhas, cabeça baixa, sem ver nada em volta. Poderia dizer que o pensamento que surge é de uma espécie de Alegoria da Caverna, segundo Platão, e não está muito longe, mas vale sempre a pena pensar mais um pouco, tentar chegar à Luz do Conhecimento, não padecer desse mal que é o dogma e aceitar tudo o que nos dizem como verdade absoluta.



"A primeira reação é de assombro. Um arrepio incrível que nos percorre a espinha à medida que vamos escutando o maravilhoso Coro Setúbal Voz na sua participação triunfal e essencial na peça de Dante, aparecendo no início quase como mortos-vivos, num crescendo de música que enche a sala. Depois, a comparação feita nesta nova adaptação pelo Teatro O Bando aos dias de hoje, à nossa realidade, à nossa História moderna. E por fim, nós, humanos espectadores e atores, sendo as sombras que caminham ordeiramente, qual rebanho, atrás de um deus, de dinheiro, de aceitação, de rendição e de perdão, numa rota com destino certo ao Paraíso. Ou talvez a um destino que nos faça acordar do marasmo quotidiano, da mediocridade. Dante é aqui um de nós, uma sombra que ao princípio não consegue ver e não tem voz, uma sombra que apenas segue a ideia de uma Beatriz que não se encontra no mesmo plano físico em que ele se encontra, um Dante que tem espasmos, que não se consegue mover, e que aos poucos começa a ser guiado por um “mestre”, Vergílio, pessoa/sombra mais sensata que o vai “educando” e “curando” da cegueira, e também por Matilde, a sombra sarcástica e irónica que o irá chamar à realidade dos factos, ao que é óbvio, embora também se venha a revelar uma serva da Morte e da Esperança.
O que resulta? A sensação de andarmos agora, aqui e no Presente, no real Purgatório, com um Passado já passado, para um Futuro a que apenas podemos mesmo encarar com o olhar de Esperança, pondo fim ao que nos prendia, ao que nos tornava zombies. Mesmo que para isso tenhamos de perder a questão do Eu e mesmo que para isso tenhamos de ser Ninguém, tal como Dante diz no fim.
A marcar o passo desta caminhada, que é na verdade uma reflexão interna, existe a presença maravilhosa de Fernando Luís, Rita Brito, Sara Belo e Nélson Monforte, num espetacular exercício não apenas de interpretação textual, mas sim física e vocal, dando ainda maior ênfase à importância que é a dificuldade da travessia feita por Dante durante os três dias e três noites em que dura."

Texto originalmente publicado aqui: Purgatório na Revista Rua


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Saturday, November 09, 2019

Pelo olhar de Pastor
November 09, 20190 Comments


Artur Pastor nasceu, cresceu e fez-se homem numa época difícil da memória portuguesa. O Estado Novo, entre o seu desígnio de evolução e o contraste abrupto com a pobreza dos bairros periféricos das grandes cidades, ainda mais gritante com o interior do país, deixou contudo algo de positivo para as futuras gerações: o registo fotográfico. Pastor (1922-1999) foi assim o ser que retratou toda uma população portuguesa que, nos dias de hoje, apenas em algumas regiões mais tradicionais de Portugal, ainda se consegue ver. Pescadores, varinas, crianças, cenas do quotidiano e estudos de laboratório científico da sua área profissional foram retratados desde que estava a terminar o serviço militar até ao momento em que se torna Engenheiro Técnico Agrário do Estado e posteriormente fotógrafo oficial do Ministério da Agricultura onde aliás, trabalhou toda a vida. Foram sempre estes os seus principais focos de objetiva, num espólio de mais de 10 mil imagens datatas desde a década de 30 até meados da década de 70 (arturpastor.tumblr.com).




Terminou hoje no Museu Municipal de Tavira a exposição dedicada ao seu trabalho com registos das regiões a sul do Tejo, Setúbal, Sesimbra e claro, Algarve, intitulada "Artur Pastor e os Mundos do Sul", uma coleção admirável contando com cerca de 100 fotografias, organizadas de acordo com variados temas - e onde se verifica também já uma certa militância para causas sociais, tendo fotografado as colegas mulheres e os estudos/ trabalhos por elas realizados em investigação agrícola. 
Numa coordenação e cooperação entre a Câmara Municipal de Tavira e a Câmara Municipal de Lisboa, esta mostra faz parte de um magnífico espólio adquirido pelo Arquivo Municipal da capital à família de Artur Pastor a seguir à sua morte, o qual é cada vez mais procurado e solicitado pelas diversas regiões do país. O catálogo disponível (Catálogo Mundos do Sul) conta assim com os seus primeiros trabalhos desde 1942 poduzidos na sua máquina Rolleiflex em negativo a preto e branco 6x6 e sem dúvida que vale a pena adquirir. 
Imagens incisivas e atentas aos pormenores de um Portugal que já não existe, e cuja memória colectiva se vai perdendo a cada ano que passa, são essenciais para relembrar de onde viemos e tentar perceber para onde queremos ir.

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Tordo e Companhia na Travessa
November 09, 20190 Comments

Foi no passado dia 7 de Novembro na Livraria da Travessa que João Tordo (@joao_tordo) (e a Companhia das Letras/ Gosto de Ler (@gostodeler)) lançou o seu novo livro A Noite em que o Verão acabou. 

Foto: CPS


Rodeado de família, amigos e leitores vorazes da sua obra, observou também que ter Francisco José Viegas como ilustríssimo "padrinho" deste "pesado livro de quase 700 páginas" será sempre algo magistral, uma vez que o melhor representante (escritor) dos romances policiais nacionais iria claramente dissecar a história de forma a melhor defender João de toda e qualquer crítica que possa surgir. Primeiro porque este livro não é o típico romance do autor; aliás, é um thriller, ou melhor, é um policial na sua essência e já "estas definições são enganadoras porque parece que estamos a considerar géneros literários à parte do que é o comum" conforme descreve Tordo. Já Viegas dispara que, "o thriller é um género misto, que incorpora vários detalhes", quase uma intrusão à psique dos personagens, por vez do policial que é "malandragem pura e que não pode sequer existir sem que exista um detective". 
Não será então dificil perceber porque João escolheu Francisco para esta apresentação, embora Viegas tivesse dúvidas em relação ao resultado final da composição: "Honestamente quando soube que o João estava a escrever algo assim pensei que ia correr mal. Um autor com uma obra já tão bem conseguida, com prémios, a escrever um - na altura dizia - policial? Mas quando ficámos presos no aeroporto de Madrid por atraso num voo para o Chile e o vi tão concentrado a teclar, percebi que era uma coisa a sério. E é!" 

Foto: Companhia das Letras Portugal

Como o lema "Sexo, ambição e inveja" apenas para começar uma história que não deixa margem também à paixão assolapada entre a personagem principal Pedro Taborda e Laura Walsh (filha do magnata morto que dá origem à componente mencionada) e já agora, também de acordo com Viegas - que tinha todo um livro sublinhado, com post-its e saídas perfeitas para cada menção elaborada - a uma estranha obsessão de Pedro com os seios de Laura, várias vezes mencionada na trama, a Noite em que o Verão Acabou é igualmente um livro em que as personagens são dúbias, não sendo tarefa fácil ao leitor saber se são verdadeiras ou não, boas ou más, manipuladoras, embora Tordo tenha puxado o lado mais negro que cada um de nós tem impresso na alma. 
Francisco José Viegas foi ainda mais longe na sua avaliação global: "Pedro Taborda é um aldrabão. Um impostor." chegando mesmo a alertar-nos para "terem sempre em atenção das datas e dias em que a história toma lugar, porque os flash and forwards são imensos, o que é a formula exacta para compreender melhor tudo o que vai sucedendo." Para Viegas também não existem contemplações - um policial ou um thriller onde o leitor saiba desde logo quem é o assassino, que descubra o porquê, verá o seu dinheiro por mal empregue, não sendo normal (e eu concordo) que sejam os autores a fazerem a papinha toda. Há que pensar, há um Cluedo por resolver.
Já Tordo, na sua intervenção referiu que se inspirou em si mesmo para a criação da personagem principal, alguns detalhes, a adolescência passada no Algarve, os grupos de amigos. Acrescentou também que sendo o desenlace é importante, não o é somente pela resolução do caso, mas sim pela evolução do próprio Pedro Taborda, pelo seu crescimento pessoal à medida e na medida que também vai desvendando a verdade sobre a morte de alguém que ele conheceu. O desenlace, explicou, é importante para o reencontro que a personagem tem consigo mesma após uma intersecção de várias histórias que têm por base vários crimes: "trouxe-me imenso prazer esta história, ver como este miúdo, este Pedro, que é tão parecido comigo em tantos detalhes, no momento em que volta a casa e olha para o passado diz que tudo está ligado pela palavra Amor, tal como o sexo, a ambição a inveja. A diferença é que o Amor está em toda a parte e não pode ser encontrado, apenas sentido." Então, perante tudo isto, será que não podemos dizer que Francisco José Viegas estará enganado? Afinal é uma história de amor. 

Para mais informações consultem a sinopse/contra capa do livro, porque este texto também não é o que poderia parecer ser. E também não quero facilitar a vida a ninguém! 

Foto: CPS








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Monday, November 04, 2019

Privilégio cultural com Vera Holtz e Marcos Caruso
November 04, 20190 Comments
Quando soube que Marcos Caruso (@marcoscaruso) e Vera Holtz (@veraholtz), incríveis atores brasileiros, iriam estar na recentemente inaugurada Livraria da Travessa (colada à antiga Universidade) na Rua da Escola Politécnica para um "bate-papo" sobre as respetivas carreiras, sobre a peça que trouxeram a Portugal por convite da Palco 6 da incansável Ana Rangel e que Marcos já tinha representado nos palcos lusos anteriormente, Intimidade Indecente, decidi que, contrariando a minha própria decência, os iria entrevistar. Não falei com a minha editora (e amiga) Andreia Ferreira da Revista Rua, decidida a avançar sozinha, sem autorização, sem rede e sem alguma experiência, movimentando as peças do jogo à medida que tudo ia acontecendo. Telefonemas primeiro, cara-de-pau depois, presencialmente no evento. Se poderia estar nervosa, se não saberia como iria ser recebida, certamente que depressa os receios passaram. De um "quer fazer entrevista agora ou depois" pelo Marcos, com um abraço da Vera pelo meio, decidi que iria ficar no espaço muito tempo depois do "papo ser batido", dos autográfos e fotos serem realizados. 
A verdade é que já tinha conhecido a atriz Maria Ribeiro antes, e a sensação de calor humano são inegáveis - será por isso que tanto amo o Brasil, não há tempo para "merdas" de sermos "atores famosos", de haver manias ou superioridades ou não te conheço, não vou responder. No Brasil todo o mundo é rico (de cultura, de bons hábitos, de educação, mesmo nascido na "comunidade"), todo o mundo é afável. 
Quando terminei e fomos literalmente arrastados para fora da livraria (entre risos e simpatia sempre!), depois de me despedir de ambos e ainda de Guilherme Leme (também ele ator, mas agora encenador da peça), escrevi a Andreia perguntado se ela estava interessada. O feliz resultado pode ser lido aqui Revista Rua entrevista Vera e Marcos, mas a entrevista em cru deixo aqui no blogue: 




A história, que segundo aos atores provoca as lágrimas ao público mais jovem e os risos aos mais velhos, é a de Mariano e Roberta, que se separam aos 50 anos após uma vida em comum. Durante o texto, vemos os seus encontros e desencontros, a sua intimidade sendo dissecada, falando de tudo, e sem nunca cair a cortina, a sua evolução até perto dos 90 anos. A história de amor é a de um casal que simplesmente nunca deixa de acreditar ou desiste do outro, nem tão pouco do amor, para compartilhar o dia-a-dia.
Ao longo da conversa com os presentes, numa “Travessa cheia” e que durou quase mais de 2 horas, Marcos Caruso assumiu que teve dúvidas em retornar ao personagem Mariano, após tantos anos de interpretação, quantos de afastamento com o texto. Contudo assumiu que ao pegar novamente na obra, compreendeu que a experiência anterior e a passagem do tempo lhe possibilitaram um novo fôlego: “18 anos depois, a encenação é completamente diferente. Tem uma nova roupagem, foi feita outra leitura do texto. Quem se separa aos 50 anos não é igual a quem se separa aos 65 ou aos 70 anos. O tesão muda, o respeito cresce, além de ser um texto intemporal e universal. É uma questão humana, que também vai sendo atualizada pelo próprio público. A peça retoma a indecência de uma intimidade num mundo, atualmente, rápido, de consumo rápido, “tabletizado””(Caruso faz aqui referência ao uso de smartphones, tablets, etc.). Dentro do contexto Holtz esclarece e exclama entre aplausos da audiência: “A peça tem vida, eu quero falar de Amor, do presencial!”. Explicou também que quando substituiu Irene Ravache na personagem Roberta, a audiência brasileira se ressentiu “(…)durante a minha primeira semana senti que o sucesso da peça poderia sair prejudicado. Depois, logo no fim-de-semana seguinte, tivemos a opinião de uma das maiores críticas de teatro da rede Globo, uma mulher muito feroz nas suas apreciações, mas que felizmente foi muito positiva. Na altura foi quando senti que não tem problema um ator ficar no lugar de outro ator, mas a personagem nunca foi inteiramente minha – era da Irene e eu estava fazendo como a Irene fazia. Nesta encenação para Portugal, retomamos o texto com muito mais calma, com um ensaio maior e foi criada uma “nova” personagem.
Em relação à peça e em relação ao que vocês apresentam, explicando de uma forma tão pura o que ela representa, qual acham que é o segredo para manter a paixão viva ao final de tantos anos, será o sexo mais importante do que o amor até determinada idade, ou será o amor que passa a ser mais importante. O que acham que é o ponto que faz as pessoas continuarem juntas após tantos anos, como evolui o relacionamento?
Marcos – A essência é saber ceder. Se você ficar preso ao conceito de que o que você acha que é o mais certo, correto, e bom para você e para os dois, eu seu nome ou em nome dos dois, então vai dar com “os burros na água”, porque o outro também vai defender o seu ponto de vista. E aí é uma briga que não tem fim.
Guilherme- Aí é tolerância!
Marcos- No mundo atual, a tolerância é o mais essencial para que qualquer relacionamento se dê, seja homem-mulher, homem-homem, mulher-mulher, seja governo-povo, patrão-empregado, se você souber ceder, pedir desculpa, a coisa vai.
Vera- Até o planeta e o homem – e a multiplicidade que temos hoje, não é a dois apenas, é coletiva, é planetária, terráquea – as minhas relações sempre foram mais passageiras, mas a amizade que continuamos a ter, profunda, têm uma chama, e é uma questão de admiração e da surpresa constante em relação ao outro, é uma chama que se mantem e é uma coisa importante.
Em relação a relacionamentos numa época de globalização. Estará a continuidade de relações associadas a questões culturais? Numa sociedade fechada, onde um casal já não se ama ou possivelmente tenha respeito sequer, poderá manter-se junto apenas por uma pressão social ou familiar?
Vera – Sim, claro! O modelo inicial do casamento é isso, mas nem um homem ou mulher podem ter nascido para serem casados, esposo ou pai, esposa ou mãe ou terem necessidade de constituírem família. Podem querer ter um papel mais importante com a sociedade. Uma relação com filhos é igual. Há tanta gente que se separa cada vez mais velha e algumas pessoas até perguntam “mas eu podia fazer isso?”. E às vezes só separam com a morte do parceiro. E ouvimos dizer: que bom estar sozinha/o. Mas foi preciso alguém falecer, desaparecer naturalmente. E cada vez mais há tanta gente que estuda o comportamento humano, jovens que têm uma capacidade tão impressionante para auxiliar nessas questões, que é preciso aprender e a reaprender e pedir ajuda.
Marcos – “Engana-se aquele que pensa que pela felicidade se alcança a liberdade”. Na verdade é a liberdade que traz a felicidade. Eu tenho de ser livre para ser feliz. Quanto mais a sociedade controla, fecha, culpa, mais as pessoas se sentem infelizes. A felicidade está inteiramente ligada à palavra Liberdade.
Vocês sentem isso no Brasil?
Marcos – Não é apenas cultural. Nós somos é todos cristãos. Então a culpa vem daí, da religião também. E não é do Brasil de hoje. É o complexo de sempre. (Vera interrompe e diz que o Brasil até é conhecido por ser vira-lata). O Brasil culpado, colonizado, é um peso. E noutros países também. Por exemplo, a sociedade cultural de Portugal sofreu imenso com a culpa, com o conceito de culpa, pela Inquisição, pela presença da Igreja. Quem se conseguiu libertar e não de uma forma hipócrita, é mais feliz. Eu vejo a sociedade norte-americana por exemplo, que se diz feliz, mas é totalmente hipócrita – podem sentir-se felizes, mas eu acho que não. Estamos em busca da liberdade, galgando degraus múltiplos em busca da Felicidade.


Sobre as conversas que geralmente vocês têm com o público no Brasil, após as peças que são realizadas, como é que vocês explicam o facto de haver tanto respeito entre as pessoas. De uma querer ouvir a outra e esperar pela resposta, será uma questão cultural também, de educação? Poderá haver algum extremismo em termos de opinião quando as classes podem ser menos letradas, menos tolerantes?
Guilherme – Eu acho que é mesmo uma questão de educação, de boa-educação. Porque a gente conhece muitas pessoas com um nível cultural elevado e que não são educadas, que é intolerante, intransigente.
Marcos- Se você cultiva bons hábitos, você tem bons hábitos. Hoje em dia estamos criando robots, gente insensível, por causa de maus hábitos. Estamos assistindo a uma crise de baixa-estima no Brasil, social e cultural.
Vera- Nós estamos a deslocar as pessoas do seu habitat natural quando há o debate. É uma távola redonda, e o princípio da mesa é que não há uma cabeceira, são todos iguais. Há sempre quem lança a provocação, mas há sempre quem não responda, havendo respeito. O teatro é também isso. Por exemplo, na rede social, não há filtro, mas tem de haver limite.
E dentro de um Brasil tão multicultural …
Vera- Tem de haver educação. E deveria haver educação regionalizada no Brasil. Todos deveriam conhecer os costumes e culturas de cada um dos estados e dos estados vizinhos.
Vera, última questão, completamente diferente do que temos estado a falar: a sua página de Instagram, onde menciona que as fotografias servem para reflexão, para as pessoas pensarem…

Vera- Exato. Pensem e sintam. O que eu gosto é da dinâmica da resposta. A interação através das palavras dos comentários de um que chama o outro e esse, o outro seguinte e a outra. A imagem é imagem – e eu não tenho dinâmica com a palavra, eu sou mais oratória. Mas a intenção é ação-reação, mais nada além disso. Não faço intervenção verbal. Apenas provoco com a imagem, a imagem é limpa e é cirúrgica. E aí as pessoas têm de pensar sobre o que veem. 


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Outono
November 04, 20190 Comments

Menos tempo com luz solar, mudança de hora, as folhas amareladas, os primeiros ventos mais frescos, as primeiras chuvadas e tempestades, e assim vai chegando o Outono. Embora os dias abafados deste início de Novembro, a verdade é que a maioria das lojas já se vai enchendo com as decorações de Natal, o cheiro a castanha assada preenche a atmosfera em névoas lentas, começa a haver a vontade maior de trocar a esplanada por cafés típicos, comer torradas e beber chás ou capuccinos, ler livros e ficar mais tempo no sofá ou fazer pequenos-almoços caseiros e alongados ao fim do semana. 
Confesso que até eu, preferindo mil vezes o calor, me deixo levar pelo espírito da época, perdendo mais tempo na cozinha, inventando pratos outonais, ou mesmo imaginando como poderão ser para este ano os tradicionais enfeites de Natal. Percebi que quando estamos inspirados conseguimos fazer coisas que nunca antes tínhamos imaginado fazer, e que, quando feitos com dedicação e vontade, acabam por ter resultados bem bonitos.
Sê bem vindo!



Vestido: Acessórios & Companhia

Casaco: El Corte Inglés
Brincos: Zara
Ténis: Belle Époque Boutique (Braga)


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Sunday, November 03, 2019

A arte de beber galão com Leila Gato
November 03, 20190 Comments
Leila Gato dedica-se à arte de bem comer. Mas o verdadeiro lema de vida são as suas "Torradas com Galão". De uma ideia que consistia na criação de um guia gastronómico de cafés e padarias em Lisboa, passou para a construção de um vídeo-log onde vai entrevistando várias personalidades enquanto se trincam tostas e torradas de bom pão, barradas com boa manteiga (e vá, uma vez ou outra, queijo). Os espaços são sempre diferentes, e os temas, são os que os convidados quiserem arriscar. Nesta entrevista contudo falamos com Leila sobre pão, galões, memórias de infância e o crescimento pessoal de uma filha do campo, saloia, como quase todos nós, que se deixou conquistar pelas luzes do Cinema e da cidade. 


Leila, como te definirias? Uma amante de pão, uma viciada de amor por café, uma viciada em manteiga, amante de boa comida ou todas as anteriores? Porquê?


Todas as hipóteses (responde com um sorriso maroto). Primeiro sou uma amante da boa comida, depois do pão e por último de café. Quando digo que “comida é amor” é realmente algo que vem do coração e isso faz-me viajar no tempo quando comia o pequeno-almoço com os meus pais antes de ir para a escola. Hoje em dia eu posso fazer em qualquer hora do dia. Eu sou realmente feliz se, ao chegar a casa, tenho apenas para comer uma torrada com manteiga e um galão.

Do Cinema/Teatro para o mundo do Marketing, Blogger, entrevistas, como descreves o processo de evolução e transformação?


Mudar é algo muito natural para mim. Eu aceito e abraço a Mudança como um degrau necessário para crescer tanto pessoal como profissionalmente. O Cinema sempre fez parte da minha vida desde a infância. Lembro-me de ver filmes quando era muito pequena embora não percebesse o que se estava a passar no ecrã. À medida que os anos passaram e comecei a ir para a escola, para o secundário, comecei a poupar as minhas mesadas para ir ao cinema e comprar revistas sobre filmes. Lembro-me de fazer pesquisas sobre determinado actor ou actriz e realizador. Depois da faculdade, na Escola Superior de Teatro e Cinema, percebi que o meu amor à arte seria sempre perfeito se eu não o levasse para um ambiente de trabalho, e acabei por me relacionar mais com Comunicação de Marcas, passando por uma agência de moda enquanto Relações Públicas e Assistente de Comunicação até ter decidido fazer um mestrado em Marketing Digital. Através da Direcção e Gestão de conteúdos para redes sociais e por toda a questão tecnológica que está associada percebi que o que gosto mesmo de fazer é interagir com as pessoas. Dar um toque mais pessoal ao meu blog e falar com as pessoas enquanto estas estão num momento mais relaxado, que é o de comer, é o que eu faço hoje em dia, então vamos ver o que o futuro traz.





De Pinheiro de Loures até Lisboa, achas que te podes chamar de filha da urbe citadina? Qual pensas ser a diferença entre o pequeno-almoço tradicional familiar e o pequeno-almoço do estilo de vida moderno?

Eu serei sempre uma rapariga de uma vila pequena maravilhada com a cidade grande. Embora Pinheiro de Loures não seja assim tão longe de Lisboa, é um lugar com pouca oferta. Quando comecei a ir todos os dias a Lisboa por época da faculdade, ficava deslumbrada com tudo o que ia descobrindo nas minhas viagens. Hoje vejo Lisboa como a minha cidade mas adoto a sensação de ter um local onde me sinto segura e que posso sempre visitar. Um lugar onde estão as minhas memórias de infância. O pequeno-almoço era uma coisa de família, e havia duas tradições: tomá-lo com os meus irmãos, repetindo o numero de torradas que quiséssemos e ver desenhos animados, e a segunda, ir a um dos cafés perto de casa e, não importando o quão bem cheiravam os bolos acabados de fazer, eu preferia sempre comer pão com manteiga e beber um galão. Acredito que as coisas em Lisboa não fossem ou sejam assim tão diferentes, uma vez que torradas e galões comem-se em todo o lado. Locais diferentes com diferentes pessoas, mas tradições idênticas!


Torradas com Galão: o que se esconde por detrás do nome, o objetivo da ideia e a própria ideia. Qual o processo criativo e o motor que te fizeram começar com este projecto?

Uma vez que as minhas melhores recordações de juventude são comer torradas e beber galões junto dos meus pais, hoje, quando faço o mesmo, é como estar a saborear esses mesmos momentos. Para mim a associação com o projecto foi feita de forma muito imediata. A ideia original era realizar um mapa das melhores “Torradas com Galão” da cidade, explicando porque eram merecedoras de se visitarem e contar um bocadinho das histórias dos cafés, pastelarias. A ideia ficou adormecida por alguns anos até que um dia uma amiga minha desafiou-me a fazer um vídeo. O conceito desenvolveu-se e apostámos num episódio piloto no qual eu falaria com alguém num café enquanto se comiam torradas. A partir daí a conversa pode evoluir de acordo com o convidado. Foi muito fácil apaixonar-me por esta ideia, uma vez que, obviamente, adoro pastelarias e cafés e adoro falar. Tenho apenas que encontrar os locais certos e as pessoas mais interessantes que tornem cada programa único e também é uma forma de alertar as pessoas para os locais mais “cool” de Lisboa e partilhar dois dedos de conversa.

Padarias tradicionais ou cafés de “Instagram”? O que achas que pode ser melhorado de forma que os antigos cafés não percam a sua identidade, perante os novos espaços da moda?

A competição é vigorosa. Hoje por cada 100 novos espaços que abrem, 101 encerram portas e existe sempre algo novo a explorar. Eu prefiro as padarias tradicionais mas acho que existe sempre espaços para improvisar e providenciar um bom serviço. Se os produtos como o pão, a manteiga usada, a farinha e o leite são de qualidade superior, então as pessoas irão regressar certamente. Outra coisa que vem sendo essencial é aceitar a ajuda das redes sociais – a opinião dos influenciadores ajudam a passar a mensagem, mas é essencial a comida ser de boa qualidade. Eu tenho conhecido tanta gente no “mundo da comida” e quero muito mais. Tento sempre dizer a quem tem um novo espaço que seja sempre honesto para consigo e para com os clientes: se o que fazem é pão, então façam pão, não tentem fazer panquecas cheias de chocolate e açúcar que só irão ficar bem para a “fotografia”.

Qual o pão perfeito e qual a padaria perfeita? Tens algum lugar favorito em Lisboa?

Felizmente hoje em dia existem vários locais onde podemos encontrar pão de qualidade em Lisboa. Para mim um bom pão só precisa de 3 ingredientes (farinha e fermento, água e sal). Aprendi recentemente que existem mais 2 ingredientes que podem ser adicionados: amor e tempo. Se o pão for feito com tempo será muito mais saudável e irá ter um sabor muito similar com aquele da nossa infância. Locais como a Terrapão, Isco e Gleba fazem um trabalho excelente no que toca à criação de pão na cidade. Para mim terá de ser crocante e ter uma crosta caramelizada com um sabor mais ácido. Também sou uma apaixonada pelo pão artesanal da Lab (Padaria Portuguesa) que está igualmente a fazer um ótimo serviço na confeção de pão a preços acessíveis para todos os bolsos (o que é essencial nos dias de hoje, embora seja um bem de primeira necessidade). Mas sim, existem sempre formas de melhorar e lançar novos tipos de pães no mercado. O paraíso de Pão para mim.

Consideras então criar um guia no future que inclua as novas e as velhas padarias, contando as histórias à medida que vais apresentando novas criações?

Sim, é algo que sempre esteve nos meus sonhos e planos. Algo que envolva ilustração e storytelling, ou outro tipo de arte! Existem tantas histórias por contar, casais de que trabalham juntos, negócios herdados dos pais ou dos avós, sítios antigos que são recuperados e que abrem portas com um olhar mais moderno. É tudo uma questão de ter tempo e começar a falar com essas pessoas que o conteúdo será sempre rei. Se encontrar uma forma de contar uma boa história todos vão querer conhecer e contá-la também e eu acredito mesmo nisto!




(Entrevista originalmente produzida e publicada em A City Made by People)
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Friday, October 04, 2019

A minha arruada
October 04, 20190 Comments
Domingo vota-se! 
Em exclamação. Não há desculpas, não há voltas a dar na situação. Vota-se e pronto. Se é nos mesmos, nos novos, nos antigos, nos PMP (pequenos e médios partidos), não é relevante. É simplesmente uma obrigação com a mesma proporção de importância de dever. Para não haver queixas nem daqui a duas semanas nem daqui a dois anos. Não podemos estar a falar mal quando nada fizemos, mas nada mesmo, para que as coisas pudessem estar minimamente melhores.
E a minha arruada seria básica. Levava-os a distribuírem os papelinhos (onde anda a amizade pelo ambiente nestas horas de campanha eleitoral?) lá na estação dos arredores, mas às horas em que as pessoas que lá passam têm medo. Às horas em que invariavelmente, sem policiamento que chegue para um município inteiro, quanto mais para a freguesia que se localiza na ponta de Sintra, paredes meias com uma Amadora e Oeiras em crescente exponencial de desenvolvimento, ocorrem assaltos, pequenos motins. 
Era levá-los a percorrerem as ruas velhas e sujas de Queluz (mesmo sujas, com cocós de cães que ninguém "quer e gosta" de apanhar, homens e mulheres a escarrar como se não houvesse amanhã, ecopontos a transbordar de lixos que não são para ecopontos e a tresandar em cheiros nauseabundos), verem o que sobra de um comércio local que já foi rico, agora em retalho ou encerrado permanentemente. Era fazê-los entender que Queluz não é só a zona do Palácio - único local devidamente "arranjado". 
Era explicar-lhes que numa população mesmo muito envelhecida, é preciso que haja gente mais jovem e com muita, mesmo muita paciência, para os "educar" a serem melhores cidadãos. 
E depois subia a fasquia. Ainda mais.
Falava dos transportes e dos acessos à capital. Para quem se diz tão preocupado com o ambiente, com as alterações climáticas, como é possível não terem ainda pensado numa gestão mais eficaz nos transportes públicos, permitindo que mais pessoas os utilizem, numa rede que se quer optimizada. Reduzir o número de viaturas próprias na estrada implica realmente um bom trabalho de pesquisa e orientação. Condicionar o acesso de automóveis a determinadas zonas implica aumentar a oferta, melhorar os horários, acessos e infraestruturas de transportes, implica abrir mais corredores aos autocarros - criando-se mais espaço para os mesmos, e não apenas nos centros urbanos, mas também nas localidades metropolitanas. E implica também uma total remodelação à oferta de transportes gratuitos para o ensino público (e privado), de forma a que os pais não tivessem a constante preocupação de irem levar e buscar os filhos às escolas, obrigando igualmente a que houvesse uma resposta útil da parte do sistema educativo que permitisse às crianças puderem frequentar os espaços até mais tarde sem ser preciso pagar-se uma caristia por cada minuto extra em que o responsável de educação não aparece. Por esta ordem, já me estão a perguntar sobre os horários de trabalho dos pais e de todos os restantes trabalhadores - diz-se agora colaboradores. Sobre isso é simples. Reduzem-se as horas de trabalho por maior qualidade e produtividade no trabalho. Não chega dizer-se ainda nos dias que correm ao homem que ele tem de ficar até mais tarde no escritório, porque a mulher que sai mais cedo pode ir tratar dos filhos e do jantar. Tal como não chega dizer-se ainda nos dias que correm à mulher que ela recebe menos porque quando fica grávida/tem filhos a sua capacidade para trabalhar fica diminuída. Isto quando não é despedida. Isto dito a pessoas cujas competências multitasking estão cada vez mais estudadas e são reconhecidas. 
E por falar em direitos, falemos da violência doméstica (contra mulheres e homens). Não se pode confiar num poder judicial que permite que juízes do Supremo Tribunal elaborem juízos de valor sobre as vítimas, jutificando os actos dos agressores por entenderem que as vítimas se comportaram mal e como tal, sofreram os castigos adequados. 
Não se entende um sistema judicial, no qual abusadores permanecem livres nas nossas ruas, muitos deles continuando a actuar como se nada fosse, destruindo a vida de centenas de crianças e adolescentes. 
De resto, porque esta minha arruada já vai longa, não consigo perceber as políticas de apoio social que invés de apoiarem e protegerem os mais idosos, se limitam a abandoná-los em prédios centenários, permitindo que os senhorios lhes cortem a electricidade, a água, e que os expulsem para lares "vão de escada", onde, sem família, acabam por morrer velozmente. Uma política social em que os jovens se mostram muito preocupados com a própria sociedade, mas continuem a viver num consumismo desmedido, entre
telemóveis, marcas de luxo, ténis e roupa, sem demonstrarem qualquer educação política/ambiental/social.
Por isso, Domingo é dia de Votar! Domingo Vota-se! E pronto! 



Artigo publicado originalmente na Revista Rua

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Sunday, September 01, 2019

Tons da Ria
September 01, 20190 Comments
Resultaram as mini férias numa constipação para eu "saber quem é que afinal manda aqui". Ao segundo dia numa tentativa de "fuga à normalidade" (num total de 4), a garganta cedeu, roubando-me energia. O que se perdeu em praia, em viagens de barco dum lado ao outro da Ria Formosa - onde nunca tinha ido - ganhou-se em sestas de recuperação à beira de piscina, num silêncio quase sepulcral. 
Se estava desconfiada com o conceito de hotel "só para adultos", depressa percebi as suas vantagens. Implica uma paz que dificilmente se encontra em Agosto na maioria dos locais estivais e badalados. Não se observam birras matinais, má educação, bombas nas piscinas, não implica crianças a correr na sala de refeições. Na sua essência, e para mim, o essencial, não se verifica barulho. E sim, Tavira é uma terra encantada para mim, Santa Luzia, tradição - esqueçam que eu seja menina fácil de cidade bem cosmopolita. Confesso gostar de comodidade, de luz elétrica e acesso wifi. Algumas lojas de rua, cafés e restaurantes, mas não precisamos de descaracterizar uma região para agradar apenas os troianos que querem brincar aos pobrezinhos. Estive em Ferragudo e não trocaria por Portimão para "passar tempo". Quanto mais pitoresco e tradicional, melhor. E enquanto não nos apercebermos que os turistas (na sua maioria os tais britânicos, alemães, noruegueses e outros vikings) gostam exatamente disso, estaremos simplesmente a destruir o que é mais puro. A essência que nos torna num povo tão acolhedor. Tão único, resultante de uma mistura tão privilegiada e com uma cultura e tradições tão nobres, quanto antigas.




















Vestido: As Deolindas @asdeolindas
Bandolete: Cata Vassalo @catavassalo
Menorcas: Ria Menorca





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Monday, August 19, 2019

Bansky. O anarca
August 19, 20190 Comments





Nem visionário, nem génio, nem vândalo.

Entrei na Cordoaria Nacional (situ Belém, Lisboa) por 13 euros - incomportável para 1) uma exposição que nem sequer é oficial, nem é apoiada pelo "artista" e 2) para os bolsos nacionais; no feriado de 15. Não foi portanto de admirar o número exponencialmente elevado de turistas estrangeiros por comparação com as almas lusas.

A sensação imediata que tive foi de ironia - não apenas a ironia de Bansky com as suas reflexões sobre o mundo moderno (desde 2003 na cidade natal em Bristol, espalhando-se pelo mundo até aos dias de hoje) - mas principalmente a minha. É impossível sermos assim tão anti-sistema, é impossível sermos tão ativos politicamente, embora digamos que não queremos nada com a política e que o objetivo é estarmos claramente contra aqueles que nos controlam, nos desenham a régua e esquadro. 
É claro que eu acredito na queda da civilização ocidental (basta ver o que aconteceu com a greve de motoristas de pesados na Páscoa), mas também sei que à segunda volta, quase ninguém vai nisso (basta ver o que aconteceu com a greve de motoristas de pesados que irá terminar oficialmente hoje às 23.59 horas). 
É claro que acredito que a macacada irá governar o mundo: Trump, Maduro, Johnson, (inserir outros). Oops, já lá estão até. 
É claro que acredito que é preciso haver uma mudança no paradigma da energia mundial e do seu consumo, mas também basta ver que o tal colapso de civilização acima mencionado, está directamente relacionado com a possível falta de combustíveis fósseis - long live hypocrisy! 
Mas a isso chama-se bom senso - não é preciso ser-se anarca para se perceber o contexto em que vivemos: consumismo e capitalismo.
Não é preciso ser-se anarca para dizermos as verdades e mais, SABER a verdade, mesmo que queiramos olhar para o lado e achar que aquilo não é nada connosco. Estas de férias num resort nas Baleares e vês botes salva-vidas a afundarem com migrantes junto à praia - é horrível, mas não é nada contigo.





Sabes que há crianças que devido às várias e variadas guerras não têm o que comer, mas preferes gastar dinheiro num par de sapatos ou numa mala nova, para juntar à coleção que não usas (sou igual, não seria hipócrita a apontar todos os meus dedos e dizer que não faço o mesmo).



Agora.... Se me tocam na Palestina....

Não é (grande) segredo o que penso da situação e do conflito Israel-Palestiniano. Talvez tenha sido a parte da exposição onde demorei mais tempo, onde foquei mais atenção, onde tirei fotos (não me interessa que aquilo seja tudo fac-simile) e tirei mais fotos dentro das fotos que tirei. Aí o anarca Bansky torna-se realmente artista - e a sua ironia passa a ser realmemte uma arma bem colorida pintada num muro feio, cinza, enorme. Um hotel com vista para aquela zona que não pertence a ninguém, mas que no fundo pertence a todos nós (judeus, árabes e cristãos). Top, meus caros, TOP!








Tal como não tenho palavras para o The Holocaust Lipstick - deveriam todos os portugueses serem obrigados a ler aquela descrição junto à imagem. Mas, mais uma vez, era ver os estrangeiros todos parados e emocionados, e os nacionais, a nem lerem sequer. Dói. Tudo dói, mas doi-me mais a falta de vontade, a preguiça humanas.





Fnalmente e claro, partindo da premissa do autor que o capitalismo destrói  e que não há maior inimigo do que aquele que acha estar a fazer as coisas com a melhor das intenções, preparem-se: mesmo antes de saírem, ainda levam com merchandise. Sim, levam exactamente com tudo aquilo que é o oposto ao que Bansky apregoa - mas levam. E pior, param e compram (aí, peço desculpa, mas não sou igual, não seria hipócrita a não apontar todos os meus dedos a quem se identificou com a mensagem, mas mesmo assim leva a t shirt, o saco de pano, ou a caneca - pelos vistos os 13 euros afinal não custam tanto a sair do bolso).



Nem visionário, nem génio, nem vândalo. Apenas mais um como os outros. Que vê, que sente, que desenha.




















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