new day, new rules - Cláudia Paiva Silva

Wednesday, May 21, 2025

new day, new rules




"Boa tarde. Sou branca e privilegiada por tal; contudo moro na região suburbana, Cacém."

"Boa tarde. Sou negra e, por conseguinte, não tenho as mesmas oportunidades laborais que as outras pessoas; contudo, moro dentro da cidade, em Campo de Ourique."

Era assim que todos os nossos currículos deveriam começar - ou era assim que muitas pessoas gostariam que as cartas de motivação e currículos começassem. Como se o nosso fenotipo ou a nossa classe social, ou localidade de morada, resumissem de forma muito mais clara aquilo que é o nosso caminho profissional, as nossas capacidades e não, nunca, uma questão de mérito ou experiência. 

Mas nada de pânico, é um dia novo e teremos, certamente, novas regras que nos irão guiar, tal como "um farol que nos ilumina a direção" (entendedores não distraídos, entenderão).

Poderia escrever hoje sobre tantas coisas: a "bola", as "canções" e a "política" - tudo o que foi o mais importante durante o fim-de-semana, que se sentiu, certamente, ainda mais pequeno para tanta emoção, revolta e reviravolta. Mas, acredito, que tudo esteja relacionado: desde Israel quase ter ganho a Eurovisão (porque não a Suiça, já que se diz tão isenta de tudo, até de países que praticam crimes contra a Humanidade - tendo estes sentido na pele o que é ser-se "eliminado" - ironias e paradoxos), aos resultados eleitorais em Portugal, que seguem a tendência da nova ordem mundial. 

Dizem alguns próximos que eu agora deveria estar mais calada, mais sossegada, não me expôr tanto (ainda por cima quando começo a figurar em alguns programas televisivos, também com temas bastante fraturantes na sociedade). Que devo evitar conflitos ou entrar em provocações - se algumas pessoas são boçais, eu não tenho de o ser - mas, questiono, tenho mesmo de me calar quando leio e escuto barbaridades baseadas em mentiras? Ou apenas em "sensações"? "Ah, há mais imigrantes, logo, há mais criminalidade", "Ah, defende-se uma religião/religiões que desprezam as mulheres, que devem ser protegidas pelos homens lusos"; protegidas de quem mesmo?? Ah pois, dos próprios homens lusos. "Vêm para aqui, alguns para trabalhar, outros para vadearem. Mas andam também a roubar os nossos empregos!", quais? aqueles que ninguém quer fazer ou gosta, porque alancar com os costados a trabalhar na terra e estufas não é para os verdadeiros subsídio-dependentes nacionais, ou como agora se diz "portugueses originários"?? Também temos a cantilena do "wokismo" - que a agenda woke é isto e aquilo e coloca em perigo as novas gerações. A sério? Eu achava que quem fazia isso eram os mesmos do costume. Tarados, pedófilos, que estão tantas vezes dentro das próprias famílias próximas, como nas escolas, na vizinhança - aquele senhor(a) que é tão simpático, que tem 2 netinhos; ou a falta de cuidado e de educação (de querer educar e estar presente) na vida dos filhos, invés de lhes colocarem aparelhos eletrónicos à frente, onde, claro, irão procurar e beber tudo o que é do mais tóxico possível, preenchendo vazios emocionais, de forma manipulada. Não. São livros que fazem a diferença, são as aulas de cidadania, ou as ações sobre sexualidade. É a distribuição gratuita de produtos de higiene feminina, de pílulas ou preservativos em contexto de boas práticas de saúde. Tudo é para terminar - tudo faz parte de uma ideologia político-partidária, e não de um conjunto de regras mínimas sociais, perante um mundo em transformação a um passo tão mais acelerado do que aquilo que eu, até eu, que me julgava jovem e desempoeirada, teria alguma vez sonhado.

Contudo, sonhei com o novo dia, das novas regras. Sabem, é que ser "woke" não é, então de agora - uma palavra que caiu no goto, logo após uma pandemia real, que colocou as pessoas ainda mais intolerantes. A exemplo, outra palavra e definição que é fortemente punida, associada a, uma vez mais, regimes políticos: feminismo. 

O movimento sufragista, entre outras ações, permitiu às mulheres o direito ao voto. Em Portugal, foi preciso o 25 de abril de 1974 para se tornar um direito pleno - e ainda hoje, há quem diga a pés juntos que "as mulheres, um dia, vão voltar a ser impedidas de votar" (grupo 1143, há poucos dias, as sua pocilga no X). Fora outras palavras tão bonitas proferidas pelo grande homem lusitano e branco que tanto gosta de ameçar com violações as... feministas, pois claro.

Se assim é, sou "woke" desde os 12 anos, quando li, ora então, um livro que falava exatamente da forma como algumas facções do médio oriente, tratavam as mulheres. Estamos a brincar certo?? Não preciso que me digam o que é correto e errado. 

Tenho 42 anos e 30 deles têm sido feitos de alertas e ativismo. Portanto, agradeço o conselho, mas não me calam.


Mas estou a derivar - poderia também escrever um texto sobre a sociologia por detrás dos eleitores da nova 2ª força política em Portugal. Não, já não são os grunhos nacionalistas (que, coitados, nem o são, porque se fossem, era para o Ergue-te e ADN que dirigiam o sufrágio), é gente formada, pensante, que anda connosco nos transportes, e senta-se conosco em jantares ou almoços de família. É malta revoltada e triste, que quer mudanças, e, no fundo, também pensa tudo o que referi acima. E embora tente compreender (já que aceitar, não aceito - e não me dói mais nem menos por isso), não consigo. Porque o boletim de voto não tinha apenas 3 partidos em coligação ou não. Tinha quase 20. E decidiram votar no mais fácil, naquele que é mais populista, naquele que mais mentiras também vai partilhando, floreando as palavras com meias-verdades, apelando ao que é mais rústico e pessoal de cada um de nós. E assim vai o circo. E somos todos palhaços e espectadores que deveriam estar preocupados com as eventuais mudanças à Constituição, as eventuais alterações aos direitos e liberdades, do coletivo e individuais. E não deve faltar muito. Porque não se quer estabilidade política alguma, enquando a 2ª força, não se tornar 1ª. E aí, acho bem que os nossos currículos comecem por descrever a nossa cor de pele, a nossa orientação sexual, o nosso género, os nossos gostos literários, televisivos, políticos. E quando isso acontecer, não chorem. Não interroguem como foi possível. Até porque nem eu acredito que alguém faça isso. Pessoas inteligentes sabem ao que vão. Parabéns a todos.

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