November 2023 - Cláudia Paiva Silva

Monday, November 06, 2023

Todas as palavras do mundo
November 06, 20230 Comments

Todas as palavras do mundo.

Nem todas são secas.

Algumas palavras engasgam-nos. Parecem argila que se mistura com água e aumenta o volume. Os poros enchem rapidamente e não deixam mais nada entrar. Nem sair.

Existem palavras assim. Que ficam presas por serem ditas. Que anseiam serem ditas. Deitadas para fora e simplesmente não conseguem. Porque estão ali. Naquele limbo da tríade coração-garganta-boca.

Impossíveis de se revelarem.

Existem várias palavras que te poderia dizer. Mas na verdade, de todas as mais difíceis já te as disse todas. E mesmo assim acho que são poucas. Possivelmente são poucas. Existem tantos dialetos, que as minhas palavras são escassas, nulas até. E batidas, repetidas até à exaustão, iguais a tantas e a todas as outras, proferidas por todas as pessoas, em toda a parte.

E, como tal, sem qualquer efeito. Não parecem reais. Não parecem dignas sequer. Não diria impuras, mas sim, banais.

A banalidade que achava não ter, escondida em palavras banais, não-secas, mas argilosas. Que se alimentam de outras similares. 

O meu "dom" da palavra. Oral, escrita, simplesmente e ordinariamente transformado em nada. Sob as sombras de tantos outros pseudo dons que achamos que temos.

As palavras não são secas. Porque são argila que se molha. 




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Sunday, November 05, 2023

verdes de outono
November 05, 20231 Comments

 



Chega aquela época do ano. Mas as cores, deus... as cores. Aqueles tons ainda quentes, mas macerados pela queima do sol, e arrancados pelas primeiras chuvas, turvos pelas primeiras rajadas de vento mais frio. 

Os verdes de outono, os castanhos e vermelhos, as cores que anunciam morte, queda, quebra e, ao mesmo tempo, renascimento. Ninguém hoje está preparado para este sentimento de mudança. Ninguém quer saber, com a pressa dos dias. Não se pára para perceber e olhar e estar vivo para compreender a alteração, a metamorfose da natureza. 

Fala-se em alterações climáticas, mas quando temos a normalidade, não queremos olhar - dá-nos mais jeito o diferente, o anti-normal, ou não será antes, o novo normal?

O outono tem esse jeito doce de pôr o fim a um ciclo. Como aqueles romances de verão que são luz e fogo enquanto o vento suão espalha incêndios, e que sabemos que têm de terminar logo que caia a primeira folha. Rezamos para que não aconteça, mas é sempre inevitável. O outono pode demorar a aparecer, pode aparecer mais manso na sua chegada mas vem sempre.

O outono dos livros, dos cafés quentes ao som de chuva, das primeiras mantas e do aconchego caseiro. Dos passeios nos parques onde as árvores nos beijam com as tais cores, as tais folhagens. Aquele que antecipa o inverno da desolação, branco ou negro tingido, frio e implacável.

Esperamos pelo melhor, mas temos de nos fazer à respiração profunda, mais húmida, a cheirar a chuva e molhado. A vida. 



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