December 2019 - Cláudia Paiva Silva

Wednesday, December 18, 2019

Livros para o Natal, Livros para quem Lê
December 18, 20190 Comments
Aproveitando para dizer que em termos estatísticos os portugueses ficam abaixo da linha de água no que diz respeito à aquisição de literatura, aqui deixo alguns títulos que deveriam mudar esses números. Larguem os telemoveis e troquem por livros, físicos ou em formato e-book (os smartphones, kindles, tablets e iPads permitem também ler outras coisas!). A vossa mente e capacidade de imaginação também! 


 Do Brasil, com Amor.

Para começar temos a biografia de Fernanda Montenegro “Prólogo, Ato, Epílogo”. Aos 80 anos a musa da televisão e cinema brasileiros tornou-se imortal em vida quando foi atacada publicamente em Outubro último pelo atual diretor de Artes Cénicas da FUNARTE Roberto Alvim, após ser capa do jornal literário Quatro, Cinco, Um. Neste, surge como uma herege prestes a ser queimada numa pira da Santa Inquisição e insurge-se enquanto ativista em defesa da democracia no meio cultural. Adjetivando a artista como “sórdida” e “desprezível”, Alvim apenas conseguiu que Montenegro se elevasse ainda mais na hierarquia cultural brasileira e mundial, principalmente numa época em que a censura parece regressar ao país tropical de língua portuguesa. Contudo e singelamente, a sua biografia, escrita a par com Marta Góes (Companhia das Letras), apenas conta o seu percurso até à atualidade, episódios de vida desde que os avós atravessaram o oceano em rumo de uma vida melhor. A forma como Arlette Pinheiro Esteves se transformou em Fernanda, nas inúmeras peças de teatro que foi estrela, sabendo de antemão que não seria pela sua beleza mas sim pela sua atitude em palco que faria a diferença. Um livro não (totalmente) político que se lê facilmente como um romance, sendo sério e mordaz, onde os momentos mais duros da vida da artista são combatidos com momentos de humor e onde às vezes, muitas vezes, se percebe o tom sarcástico com que Fernanda vê o mundo onde se encontra.



De seguida, apresenta-se “Essa Gente” (Companhia das Letras) de Chico Buarque. Cantor, escritor, autor e vencedor do Prémio Camões 2019, Buarque tem todo um país contra e a favor dele. E em “Essa Gente” a história em forma de diário de um escritor famoso mas em plena crise de meia-idade, bate certeiramente com a vida atual no Rio de Janeiro (e no Brasil), pautando entre as questões pessoas e metafísicas, sociais e políticas. Buarque, ainda no meio do furacão pela não assinatura de Balsonaro ao Prémio Camões atribuído por Portugal, acaba por sair vencedor como sempre, e este livro é apenas um estalo sem mão à atual política cultural brasileira onde se assiste a uma “vingança” do próprio Presidente contra todos os que o atacam. Uma “censura” camuflada onde filmes e peças de teatro não são impedidos ou cancelados de estrear, mas sim “adiados por tempo indeterminado” de serem apresentados ao grande público.


Escrito por Alexandra Lucas Coelho, jornalista e autora portuguesa, “Cinco Voltas na Bahia e um Beijo para Caetano Veloso” (Caminho), começou com um pedido do cantor à escritora. Um livro dedicado à sua terra natal, um livro que falasse sobre as pessoas, os locais, sítios e cheiros. Para quem conhece a Bahia e o Recôncavo baianos, Estados ligados como siameses, percebe facilmente que este texto de Alexandra só poderá ser extremamente especial e pessoal. Uma viagem a Salvador é como um despertar de sentidos, sabendo que foi ali onde os primeiros portugueses puseram pé, passando tormentas e tempestades. Foi o marco inicial para o melhor e para o pior dos Descobrimentos, mas é nesta capital que pudemos afirmar também que estamos em Casa, com as suas ruas tão tradicionais, tão portuguesas, as suas igrejas cristãs umas coladas às outras, o candomblé, o som e batuque vindo dos terreiros, a comida com inspiração africana, o cheiro a maresia assim que nos voltamos neste caso, neste meridiano, para leste. Mais, “Cinco Voltas na Bahia” é um mapa também pelo sertão, quase roçando os limites com a Chapada Diamantina, onde quilómetros de estrada nos levam a percorrer paisagens de tons ocre, aqui e ali com vegetação seca, típica, e onde, aqui e ali, surgem casarios, e onde, aqui e ali, saltam crianças ávidas de pessoas, de novidades. Alexandra Lucas Coelho transmite-nos esta ideia e muito mais. Jorge Amado poderá estar orgulhoso! Caetano e todos os beijos que merece, também!


Para concluir o núcleo dedicado ao Atlântico Sul, aparece o livro “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão” (Porto Editora) escrito por Martha Batalha. Atravessando o Brasil desde a década de 40 até aos dias de hoje, conta a histórias de duas irmãs filhas de portugueses num Rio de Janeiro desaparecido. A história aparentemente banal é, no entanto, muito diferente do que os leitores possam imaginar. Guida e Eurídice tinham sonhos, mas o desaparecimento da primeira, após uma paixão proibida e uma gravidez “vergonhosa” para o seu Pai, levam a que a outra opte por abdicar de tudo o que queria fazer, tornando-se assim, a filha e esposa obediente, perfeita, mãe de família, doméstica sem vocação. Apesar do “bom marido”, Eurídice é miseravelmente infeliz, e a sua história não é diferente nem das mulheres nascidas na mesma época e que foram educadas apenas para serem boas donas de casa, tal como a violência que acaba por sofrer, mais psicológica, menos física, mas em qualquer caso, fatal, não é diferente da violência que as mulheres sofrem até ao dia de hoje, numa luta desigual para serem ouvidas e respeitadas dentro das suas famílias.
O livro foi adaptado ao cinema por Karim Ainouz e em Maio ganhou o Prémio Um Certo Olhar no Festival de Cannes. Estreou agora no Brasil envolto em aplausos e, mais uma vez, é levado a concorrer ao Óscar de Melhor Filme Internacional, com a especial intenção de levar também o nome de Fernanda Montenegro novamente à nomeação de Melhor Atriz Secundária.


Um policial e uma história da História.

Já em ambiente policial, Francisco José Viegas regressa agora com mais um caso do Inspetor Jaime Ramos, “A Luz de Pequim” (Porto Editora). Agora aos 60 anos, sendo pressionado para deixar a Polícia, Ramos tem de lidar não só com uma auditoria interna em relação ao seu trabalho de uma vida, como com a resolução de um caso que o leva a viajar até à China, ao mesmo tempo que vai relembrando pedaços da sua vida com eternos amigos e companheiros na sua cidade do Porto. Tal como Ramos, o protagonista que neste momento já nada tem a perder e prefere deixar a hipocrisia de lado, nomeadamente quando o caso começa a mexer com os meandros cinzentos da política nacional, o seu “criador” José Viegas, também já não tem problemas em colocar-se como um dos principais e melhores escritores nacionais, que por via de várias entrevistas e através da sua personagem, vai colocando os pontos nos i’s ao “politicamente correto” que parece estar a crescer na sociedade lusa atual. Não se pode deixar de falar dos assuntos, apenas porque são incómodos. Devem ser mencionados e discutidos exatamente por ainda causarem incómodo.


Por fim, mas não menos importante, temos um retrato da sociedade política e jornalística durante os 8 anos a seguir à Revolução de Abril. Manuela de Sousa Rama será porventura mais reconhecida pela sua presença na RTP, mas este seu primeiro romance histórico “A Culpa foi da Revolução” (Clube do Autor), certamente enche a vontade de saber mais sobre uma época conturbada na História nacional, nomeadamente o pós-25 de Abril. Aproveitando a fase de revivalismos, (e aproveitando o regresso da série “Conta-me como Foi”, passada agora na década de 80) Sousa Rama traz a lume os acontecimentos que procederam a revolução e o tempo que se seguiu até à dissolução do Conselho da Revolução no ano de 1982, baseando-se em factos verídicos. Numa crítica (ainda que indireta) às escolhas feitas nessa fase tão peculiar, principalmente a pressão sentida pela imprensa nacional, podemos identificar que a censura nunca acabou, simplesmente terá mudado a cor política, algo que hoje, ainda se verifica de forma pouco dissimulada nos órgãos de comunicação social. O que adianta uma mudança para melhor, se o resultado final poderá ser na mesma medida, redutor da liberdade de expressão? “A Culpa foi da Revolução” não é um romance político por si, nem aponta dedos a ninguém, simplesmente mostra como a História tem tantas ramificações e muitas vezes, os erros do passado, perpetuam-se num futuro que permanece incerto.



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Tuesday, December 03, 2019

Renate Graf e a fotografia que faz pensar
December 03, 20190 Comments


“Não sou fotógrafa no sentido clássico, as minhas imagens existem para servir diferentes propósitos daqueles dos verdadeiros fotógrafos, não sendo completas ou conclusivas. Nem são fotografias perfeitas no ponto de vista de perfeição técnica. Elas funcionam não somente como imagem, mas como linguagem, como sinais apontando a algum significado…”. É assim que Renate Graf, fotógrafa austríaca se define. Desde os desertos de Marrocos, captando o detalhe das areias sendo transportadas pelo vento no Atlas, às montanhas do Utah, nos Estados Unidos, passando aos festivais de cores garridas na Índia, onde consegue, mesmo em fotografias a preto e branco, transmitir a palete cenográfica de rituais culturais, Renate é acima de tudo uma coletora de momentos e memórias. Não querendo colocar-se no mesmo estatuto que outros grandes fotógrafos, a verdade é que Graf é uma das mais brilhantes fotógrafas mundiais. As suas imagens revelam um cuidado e uma estética muito particulares, e sem dúvida que as mesmas, tiradas em locais tão místicos, como templos hindus, ou misteriosos e inóspitos, como as planícies de gelo na Sibéria, lhe auferem o estatuto dos Grandes.






Na verdade, Renate Graf começou de forma simples a sua carreira em fotografia há pouco mais de duas décadas. Somente após um amigo lhe ter oferecido uma Canon automática, e após começar a viajar com o seu companheiro, o reconhecido pintor e escultor alemão Anselm Kiefer, é que iniciou o hábito de fazer diários fotográficos. O essencial para ela, é poder relatar os códigos culturais e a forma como os mesmos se vão alterando no tempo e no espaço. De uma Europa pós Segunda Guerra Mundial, na qual Graf cresceu, passando pela queda da URSS, chegando ao mundo globalizado e multicultural dos dias de hoje, Renate declara que tenta sempre adicionar algo ou uma palavra que proporcione uma ideia ou pensamento, ao mesmo tempo que reconhece o desafio constante que as mudanças de Poder, de costumes e moral, possam empregar nas suas imagens.

A viver atualmente em Portugal (Comporta, Setúbal), define o povo português como tolerante e musical, muito graças à influência das várias "energias" provenientes de outros países. Mas é o mar que, para ela, nos destaca entre os demais: "os portugueses não olham para a Europa, mas sim para o mar, o que torna tudo muito especial e é uma visão poética". 

Quanto ao futuro, basta dar uma espreitadela à sua página de Instagram @renategraf: pensando em mover-se do registo em livro para filme, podemos já observar algumas imagens a cor e movimento, simples, feitas possivelmente com um intuito ainda "rascunho", fazendo lembrar Anton Corbijn (@antoncorbijn). 


A exposição está patente até ao final de Dezembro no Palácio dos Anjos em Algés. 




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