A minha arruada - Cláudia Paiva Silva

Friday, October 04, 2019

A minha arruada

Domingo vota-se! 
Em exclamação. Não há desculpas, não há voltas a dar na situação. Vota-se e pronto. Se é nos mesmos, nos novos, nos antigos, nos PMP (pequenos e médios partidos), não é relevante. É simplesmente uma obrigação com a mesma proporção de importância de dever. Para não haver queixas nem daqui a duas semanas nem daqui a dois anos. Não podemos estar a falar mal quando nada fizemos, mas nada mesmo, para que as coisas pudessem estar minimamente melhores.
E a minha arruada seria básica. Levava-os a distribuírem os papelinhos (onde anda a amizade pelo ambiente nestas horas de campanha eleitoral?) lá na estação dos arredores, mas às horas em que as pessoas que lá passam têm medo. Às horas em que invariavelmente, sem policiamento que chegue para um município inteiro, quanto mais para a freguesia que se localiza na ponta de Sintra, paredes meias com uma Amadora e Oeiras em crescente exponencial de desenvolvimento, ocorrem assaltos, pequenos motins. 
Era levá-los a percorrerem as ruas velhas e sujas de Queluz (mesmo sujas, com cocós de cães que ninguém "quer e gosta" de apanhar, homens e mulheres a escarrar como se não houvesse amanhã, ecopontos a transbordar de lixos que não são para ecopontos e a tresandar em cheiros nauseabundos), verem o que sobra de um comércio local que já foi rico, agora em retalho ou encerrado permanentemente. Era fazê-los entender que Queluz não é só a zona do Palácio - único local devidamente "arranjado". 
Era explicar-lhes que numa população mesmo muito envelhecida, é preciso que haja gente mais jovem e com muita, mesmo muita paciência, para os "educar" a serem melhores cidadãos. 
E depois subia a fasquia. Ainda mais.
Falava dos transportes e dos acessos à capital. Para quem se diz tão preocupado com o ambiente, com as alterações climáticas, como é possível não terem ainda pensado numa gestão mais eficaz nos transportes públicos, permitindo que mais pessoas os utilizem, numa rede que se quer optimizada. Reduzir o número de viaturas próprias na estrada implica realmente um bom trabalho de pesquisa e orientação. Condicionar o acesso de automóveis a determinadas zonas implica aumentar a oferta, melhorar os horários, acessos e infraestruturas de transportes, implica abrir mais corredores aos autocarros - criando-se mais espaço para os mesmos, e não apenas nos centros urbanos, mas também nas localidades metropolitanas. E implica também uma total remodelação à oferta de transportes gratuitos para o ensino público (e privado), de forma a que os pais não tivessem a constante preocupação de irem levar e buscar os filhos às escolas, obrigando igualmente a que houvesse uma resposta útil da parte do sistema educativo que permitisse às crianças puderem frequentar os espaços até mais tarde sem ser preciso pagar-se uma caristia por cada minuto extra em que o responsável de educação não aparece. Por esta ordem, já me estão a perguntar sobre os horários de trabalho dos pais e de todos os restantes trabalhadores - diz-se agora colaboradores. Sobre isso é simples. Reduzem-se as horas de trabalho por maior qualidade e produtividade no trabalho. Não chega dizer-se ainda nos dias que correm ao homem que ele tem de ficar até mais tarde no escritório, porque a mulher que sai mais cedo pode ir tratar dos filhos e do jantar. Tal como não chega dizer-se ainda nos dias que correm à mulher que ela recebe menos porque quando fica grávida/tem filhos a sua capacidade para trabalhar fica diminuída. Isto quando não é despedida. Isto dito a pessoas cujas competências multitasking estão cada vez mais estudadas e são reconhecidas. 
E por falar em direitos, falemos da violência doméstica (contra mulheres e homens). Não se pode confiar num poder judicial que permite que juízes do Supremo Tribunal elaborem juízos de valor sobre as vítimas, jutificando os actos dos agressores por entenderem que as vítimas se comportaram mal e como tal, sofreram os castigos adequados. 
Não se entende um sistema judicial, no qual abusadores permanecem livres nas nossas ruas, muitos deles continuando a actuar como se nada fosse, destruindo a vida de centenas de crianças e adolescentes. 
De resto, porque esta minha arruada já vai longa, não consigo perceber as políticas de apoio social que invés de apoiarem e protegerem os mais idosos, se limitam a abandoná-los em prédios centenários, permitindo que os senhorios lhes cortem a electricidade, a água, e que os expulsem para lares "vão de escada", onde, sem família, acabam por morrer velozmente. Uma política social em que os jovens se mostram muito preocupados com a própria sociedade, mas continuem a viver num consumismo desmedido, entre
telemóveis, marcas de luxo, ténis e roupa, sem demonstrarem qualquer educação política/ambiental/social.
Por isso, Domingo é dia de Votar! Domingo Vota-se! E pronto! 



Artigo publicado originalmente na Revista Rua

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