November 2019 - Cláudia Paiva Silva

Wednesday, November 20, 2019

O nosso Purgatório; a nossa Purga
November 20, 20190 Comments
Nem sempre é fácil pegar nos textos clássicos, levá-los a palco e fazer com que o público entenda. Não porque sejamos tontos, mas porque muitas vezes os contextos históricos mudam e tudo parece muito velho, muito antigo, tão antigo que nem parece real, ou que possa ter realmente ocorrido. Contudo, quando transportados à realidade atual e integrados no nosso dia-a-dia, estes textos, tão velhos, seculares, parece que batem em cheio, que foram escritos para nós, todos, como um núcleo, para que possamos ouvir, ver, acima de tudo pensar e perceber. 
Até dia 24 de Novembro aconselho a verem a peça O Purgatório, segundo ciclo da Divina Comédia de Dante Alighieri, no Teatro Nacional Dona Maria II. Uma vez mais trazido à luz pela Companhia de Teatro O Bando, depois do simbolismo de Inferno em 2017. Quanto mais não seja para esse esforço maior que é realmente o "tentar perceber as coisas" que nos rodeiam, para onde vamos e de onde viemos. Qual é este "purgatório" por onde estamos a passar, quase em rebanho de ovelhas, cabeça baixa, sem ver nada em volta. Poderia dizer que o pensamento que surge é de uma espécie de Alegoria da Caverna, segundo Platão, e não está muito longe, mas vale sempre a pena pensar mais um pouco, tentar chegar à Luz do Conhecimento, não padecer desse mal que é o dogma e aceitar tudo o que nos dizem como verdade absoluta.



"A primeira reação é de assombro. Um arrepio incrível que nos percorre a espinha à medida que vamos escutando o maravilhoso Coro Setúbal Voz na sua participação triunfal e essencial na peça de Dante, aparecendo no início quase como mortos-vivos, num crescendo de música que enche a sala. Depois, a comparação feita nesta nova adaptação pelo Teatro O Bando aos dias de hoje, à nossa realidade, à nossa História moderna. E por fim, nós, humanos espectadores e atores, sendo as sombras que caminham ordeiramente, qual rebanho, atrás de um deus, de dinheiro, de aceitação, de rendição e de perdão, numa rota com destino certo ao Paraíso. Ou talvez a um destino que nos faça acordar do marasmo quotidiano, da mediocridade. Dante é aqui um de nós, uma sombra que ao princípio não consegue ver e não tem voz, uma sombra que apenas segue a ideia de uma Beatriz que não se encontra no mesmo plano físico em que ele se encontra, um Dante que tem espasmos, que não se consegue mover, e que aos poucos começa a ser guiado por um “mestre”, Vergílio, pessoa/sombra mais sensata que o vai “educando” e “curando” da cegueira, e também por Matilde, a sombra sarcástica e irónica que o irá chamar à realidade dos factos, ao que é óbvio, embora também se venha a revelar uma serva da Morte e da Esperança.
O que resulta? A sensação de andarmos agora, aqui e no Presente, no real Purgatório, com um Passado já passado, para um Futuro a que apenas podemos mesmo encarar com o olhar de Esperança, pondo fim ao que nos prendia, ao que nos tornava zombies. Mesmo que para isso tenhamos de perder a questão do Eu e mesmo que para isso tenhamos de ser Ninguém, tal como Dante diz no fim.
A marcar o passo desta caminhada, que é na verdade uma reflexão interna, existe a presença maravilhosa de Fernando Luís, Rita Brito, Sara Belo e Nélson Monforte, num espetacular exercício não apenas de interpretação textual, mas sim física e vocal, dando ainda maior ênfase à importância que é a dificuldade da travessia feita por Dante durante os três dias e três noites em que dura."

Texto originalmente publicado aqui: Purgatório na Revista Rua


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Saturday, November 09, 2019

Pelo olhar de Pastor
November 09, 20190 Comments


Artur Pastor nasceu, cresceu e fez-se homem numa época difícil da memória portuguesa. O Estado Novo, entre o seu desígnio de evolução e o contraste abrupto com a pobreza dos bairros periféricos das grandes cidades, ainda mais gritante com o interior do país, deixou contudo algo de positivo para as futuras gerações: o registo fotográfico. Pastor (1922-1999) foi assim o ser que retratou toda uma população portuguesa que, nos dias de hoje, apenas em algumas regiões mais tradicionais de Portugal, ainda se consegue ver. Pescadores, varinas, crianças, cenas do quotidiano e estudos de laboratório científico da sua área profissional foram retratados desde que estava a terminar o serviço militar até ao momento em que se torna Engenheiro Técnico Agrário do Estado e posteriormente fotógrafo oficial do Ministério da Agricultura onde aliás, trabalhou toda a vida. Foram sempre estes os seus principais focos de objetiva, num espólio de mais de 10 mil imagens datatas desde a década de 30 até meados da década de 70 (arturpastor.tumblr.com).




Terminou hoje no Museu Municipal de Tavira a exposição dedicada ao seu trabalho com registos das regiões a sul do Tejo, Setúbal, Sesimbra e claro, Algarve, intitulada "Artur Pastor e os Mundos do Sul", uma coleção admirável contando com cerca de 100 fotografias, organizadas de acordo com variados temas - e onde se verifica também já uma certa militância para causas sociais, tendo fotografado as colegas mulheres e os estudos/ trabalhos por elas realizados em investigação agrícola. 
Numa coordenação e cooperação entre a Câmara Municipal de Tavira e a Câmara Municipal de Lisboa, esta mostra faz parte de um magnífico espólio adquirido pelo Arquivo Municipal da capital à família de Artur Pastor a seguir à sua morte, o qual é cada vez mais procurado e solicitado pelas diversas regiões do país. O catálogo disponível (Catálogo Mundos do Sul) conta assim com os seus primeiros trabalhos desde 1942 poduzidos na sua máquina Rolleiflex em negativo a preto e branco 6x6 e sem dúvida que vale a pena adquirir. 
Imagens incisivas e atentas aos pormenores de um Portugal que já não existe, e cuja memória colectiva se vai perdendo a cada ano que passa, são essenciais para relembrar de onde viemos e tentar perceber para onde queremos ir.

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Tordo e Companhia na Travessa
November 09, 20190 Comments

Foi no passado dia 7 de Novembro na Livraria da Travessa que João Tordo (@joao_tordo) (e a Companhia das Letras/ Gosto de Ler (@gostodeler)) lançou o seu novo livro A Noite em que o Verão acabou. 

Foto: CPS


Rodeado de família, amigos e leitores vorazes da sua obra, observou também que ter Francisco José Viegas como ilustríssimo "padrinho" deste "pesado livro de quase 700 páginas" será sempre algo magistral, uma vez que o melhor representante (escritor) dos romances policiais nacionais iria claramente dissecar a história de forma a melhor defender João de toda e qualquer crítica que possa surgir. Primeiro porque este livro não é o típico romance do autor; aliás, é um thriller, ou melhor, é um policial na sua essência e já "estas definições são enganadoras porque parece que estamos a considerar géneros literários à parte do que é o comum" conforme descreve Tordo. Já Viegas dispara que, "o thriller é um género misto, que incorpora vários detalhes", quase uma intrusão à psique dos personagens, por vez do policial que é "malandragem pura e que não pode sequer existir sem que exista um detective". 
Não será então dificil perceber porque João escolheu Francisco para esta apresentação, embora Viegas tivesse dúvidas em relação ao resultado final da composição: "Honestamente quando soube que o João estava a escrever algo assim pensei que ia correr mal. Um autor com uma obra já tão bem conseguida, com prémios, a escrever um - na altura dizia - policial? Mas quando ficámos presos no aeroporto de Madrid por atraso num voo para o Chile e o vi tão concentrado a teclar, percebi que era uma coisa a sério. E é!" 

Foto: Companhia das Letras Portugal

Como o lema "Sexo, ambição e inveja" apenas para começar uma história que não deixa margem também à paixão assolapada entre a personagem principal Pedro Taborda e Laura Walsh (filha do magnata morto que dá origem à componente mencionada) e já agora, também de acordo com Viegas - que tinha todo um livro sublinhado, com post-its e saídas perfeitas para cada menção elaborada - a uma estranha obsessão de Pedro com os seios de Laura, várias vezes mencionada na trama, a Noite em que o Verão Acabou é igualmente um livro em que as personagens são dúbias, não sendo tarefa fácil ao leitor saber se são verdadeiras ou não, boas ou más, manipuladoras, embora Tordo tenha puxado o lado mais negro que cada um de nós tem impresso na alma. 
Francisco José Viegas foi ainda mais longe na sua avaliação global: "Pedro Taborda é um aldrabão. Um impostor." chegando mesmo a alertar-nos para "terem sempre em atenção das datas e dias em que a história toma lugar, porque os flash and forwards são imensos, o que é a formula exacta para compreender melhor tudo o que vai sucedendo." Para Viegas também não existem contemplações - um policial ou um thriller onde o leitor saiba desde logo quem é o assassino, que descubra o porquê, verá o seu dinheiro por mal empregue, não sendo normal (e eu concordo) que sejam os autores a fazerem a papinha toda. Há que pensar, há um Cluedo por resolver.
Já Tordo, na sua intervenção referiu que se inspirou em si mesmo para a criação da personagem principal, alguns detalhes, a adolescência passada no Algarve, os grupos de amigos. Acrescentou também que sendo o desenlace é importante, não o é somente pela resolução do caso, mas sim pela evolução do próprio Pedro Taborda, pelo seu crescimento pessoal à medida e na medida que também vai desvendando a verdade sobre a morte de alguém que ele conheceu. O desenlace, explicou, é importante para o reencontro que a personagem tem consigo mesma após uma intersecção de várias histórias que têm por base vários crimes: "trouxe-me imenso prazer esta história, ver como este miúdo, este Pedro, que é tão parecido comigo em tantos detalhes, no momento em que volta a casa e olha para o passado diz que tudo está ligado pela palavra Amor, tal como o sexo, a ambição a inveja. A diferença é que o Amor está em toda a parte e não pode ser encontrado, apenas sentido." Então, perante tudo isto, será que não podemos dizer que Francisco José Viegas estará enganado? Afinal é uma história de amor. 

Para mais informações consultem a sinopse/contra capa do livro, porque este texto também não é o que poderia parecer ser. E também não quero facilitar a vida a ninguém! 

Foto: CPS








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Monday, November 04, 2019

Privilégio cultural com Vera Holtz e Marcos Caruso
November 04, 20190 Comments
Quando soube que Marcos Caruso (@marcoscaruso) e Vera Holtz (@veraholtz), incríveis atores brasileiros, iriam estar na recentemente inaugurada Livraria da Travessa (colada à antiga Universidade) na Rua da Escola Politécnica para um "bate-papo" sobre as respetivas carreiras, sobre a peça que trouxeram a Portugal por convite da Palco 6 da incansável Ana Rangel e que Marcos já tinha representado nos palcos lusos anteriormente, Intimidade Indecente, decidi que, contrariando a minha própria decência, os iria entrevistar. Não falei com a minha editora (e amiga) Andreia Ferreira da Revista Rua, decidida a avançar sozinha, sem autorização, sem rede e sem alguma experiência, movimentando as peças do jogo à medida que tudo ia acontecendo. Telefonemas primeiro, cara-de-pau depois, presencialmente no evento. Se poderia estar nervosa, se não saberia como iria ser recebida, certamente que depressa os receios passaram. De um "quer fazer entrevista agora ou depois" pelo Marcos, com um abraço da Vera pelo meio, decidi que iria ficar no espaço muito tempo depois do "papo ser batido", dos autográfos e fotos serem realizados. 
A verdade é que já tinha conhecido a atriz Maria Ribeiro antes, e a sensação de calor humano são inegáveis - será por isso que tanto amo o Brasil, não há tempo para "merdas" de sermos "atores famosos", de haver manias ou superioridades ou não te conheço, não vou responder. No Brasil todo o mundo é rico (de cultura, de bons hábitos, de educação, mesmo nascido na "comunidade"), todo o mundo é afável. 
Quando terminei e fomos literalmente arrastados para fora da livraria (entre risos e simpatia sempre!), depois de me despedir de ambos e ainda de Guilherme Leme (também ele ator, mas agora encenador da peça), escrevi a Andreia perguntado se ela estava interessada. O feliz resultado pode ser lido aqui Revista Rua entrevista Vera e Marcos, mas a entrevista em cru deixo aqui no blogue: 




A história, que segundo aos atores provoca as lágrimas ao público mais jovem e os risos aos mais velhos, é a de Mariano e Roberta, que se separam aos 50 anos após uma vida em comum. Durante o texto, vemos os seus encontros e desencontros, a sua intimidade sendo dissecada, falando de tudo, e sem nunca cair a cortina, a sua evolução até perto dos 90 anos. A história de amor é a de um casal que simplesmente nunca deixa de acreditar ou desiste do outro, nem tão pouco do amor, para compartilhar o dia-a-dia.
Ao longo da conversa com os presentes, numa “Travessa cheia” e que durou quase mais de 2 horas, Marcos Caruso assumiu que teve dúvidas em retornar ao personagem Mariano, após tantos anos de interpretação, quantos de afastamento com o texto. Contudo assumiu que ao pegar novamente na obra, compreendeu que a experiência anterior e a passagem do tempo lhe possibilitaram um novo fôlego: “18 anos depois, a encenação é completamente diferente. Tem uma nova roupagem, foi feita outra leitura do texto. Quem se separa aos 50 anos não é igual a quem se separa aos 65 ou aos 70 anos. O tesão muda, o respeito cresce, além de ser um texto intemporal e universal. É uma questão humana, que também vai sendo atualizada pelo próprio público. A peça retoma a indecência de uma intimidade num mundo, atualmente, rápido, de consumo rápido, “tabletizado””(Caruso faz aqui referência ao uso de smartphones, tablets, etc.). Dentro do contexto Holtz esclarece e exclama entre aplausos da audiência: “A peça tem vida, eu quero falar de Amor, do presencial!”. Explicou também que quando substituiu Irene Ravache na personagem Roberta, a audiência brasileira se ressentiu “(…)durante a minha primeira semana senti que o sucesso da peça poderia sair prejudicado. Depois, logo no fim-de-semana seguinte, tivemos a opinião de uma das maiores críticas de teatro da rede Globo, uma mulher muito feroz nas suas apreciações, mas que felizmente foi muito positiva. Na altura foi quando senti que não tem problema um ator ficar no lugar de outro ator, mas a personagem nunca foi inteiramente minha – era da Irene e eu estava fazendo como a Irene fazia. Nesta encenação para Portugal, retomamos o texto com muito mais calma, com um ensaio maior e foi criada uma “nova” personagem.
Em relação à peça e em relação ao que vocês apresentam, explicando de uma forma tão pura o que ela representa, qual acham que é o segredo para manter a paixão viva ao final de tantos anos, será o sexo mais importante do que o amor até determinada idade, ou será o amor que passa a ser mais importante. O que acham que é o ponto que faz as pessoas continuarem juntas após tantos anos, como evolui o relacionamento?
Marcos – A essência é saber ceder. Se você ficar preso ao conceito de que o que você acha que é o mais certo, correto, e bom para você e para os dois, eu seu nome ou em nome dos dois, então vai dar com “os burros na água”, porque o outro também vai defender o seu ponto de vista. E aí é uma briga que não tem fim.
Guilherme- Aí é tolerância!
Marcos- No mundo atual, a tolerância é o mais essencial para que qualquer relacionamento se dê, seja homem-mulher, homem-homem, mulher-mulher, seja governo-povo, patrão-empregado, se você souber ceder, pedir desculpa, a coisa vai.
Vera- Até o planeta e o homem – e a multiplicidade que temos hoje, não é a dois apenas, é coletiva, é planetária, terráquea – as minhas relações sempre foram mais passageiras, mas a amizade que continuamos a ter, profunda, têm uma chama, e é uma questão de admiração e da surpresa constante em relação ao outro, é uma chama que se mantem e é uma coisa importante.
Em relação a relacionamentos numa época de globalização. Estará a continuidade de relações associadas a questões culturais? Numa sociedade fechada, onde um casal já não se ama ou possivelmente tenha respeito sequer, poderá manter-se junto apenas por uma pressão social ou familiar?
Vera – Sim, claro! O modelo inicial do casamento é isso, mas nem um homem ou mulher podem ter nascido para serem casados, esposo ou pai, esposa ou mãe ou terem necessidade de constituírem família. Podem querer ter um papel mais importante com a sociedade. Uma relação com filhos é igual. Há tanta gente que se separa cada vez mais velha e algumas pessoas até perguntam “mas eu podia fazer isso?”. E às vezes só separam com a morte do parceiro. E ouvimos dizer: que bom estar sozinha/o. Mas foi preciso alguém falecer, desaparecer naturalmente. E cada vez mais há tanta gente que estuda o comportamento humano, jovens que têm uma capacidade tão impressionante para auxiliar nessas questões, que é preciso aprender e a reaprender e pedir ajuda.
Marcos – “Engana-se aquele que pensa que pela felicidade se alcança a liberdade”. Na verdade é a liberdade que traz a felicidade. Eu tenho de ser livre para ser feliz. Quanto mais a sociedade controla, fecha, culpa, mais as pessoas se sentem infelizes. A felicidade está inteiramente ligada à palavra Liberdade.
Vocês sentem isso no Brasil?
Marcos – Não é apenas cultural. Nós somos é todos cristãos. Então a culpa vem daí, da religião também. E não é do Brasil de hoje. É o complexo de sempre. (Vera interrompe e diz que o Brasil até é conhecido por ser vira-lata). O Brasil culpado, colonizado, é um peso. E noutros países também. Por exemplo, a sociedade cultural de Portugal sofreu imenso com a culpa, com o conceito de culpa, pela Inquisição, pela presença da Igreja. Quem se conseguiu libertar e não de uma forma hipócrita, é mais feliz. Eu vejo a sociedade norte-americana por exemplo, que se diz feliz, mas é totalmente hipócrita – podem sentir-se felizes, mas eu acho que não. Estamos em busca da liberdade, galgando degraus múltiplos em busca da Felicidade.


Sobre as conversas que geralmente vocês têm com o público no Brasil, após as peças que são realizadas, como é que vocês explicam o facto de haver tanto respeito entre as pessoas. De uma querer ouvir a outra e esperar pela resposta, será uma questão cultural também, de educação? Poderá haver algum extremismo em termos de opinião quando as classes podem ser menos letradas, menos tolerantes?
Guilherme – Eu acho que é mesmo uma questão de educação, de boa-educação. Porque a gente conhece muitas pessoas com um nível cultural elevado e que não são educadas, que é intolerante, intransigente.
Marcos- Se você cultiva bons hábitos, você tem bons hábitos. Hoje em dia estamos criando robots, gente insensível, por causa de maus hábitos. Estamos assistindo a uma crise de baixa-estima no Brasil, social e cultural.
Vera- Nós estamos a deslocar as pessoas do seu habitat natural quando há o debate. É uma távola redonda, e o princípio da mesa é que não há uma cabeceira, são todos iguais. Há sempre quem lança a provocação, mas há sempre quem não responda, havendo respeito. O teatro é também isso. Por exemplo, na rede social, não há filtro, mas tem de haver limite.
E dentro de um Brasil tão multicultural …
Vera- Tem de haver educação. E deveria haver educação regionalizada no Brasil. Todos deveriam conhecer os costumes e culturas de cada um dos estados e dos estados vizinhos.
Vera, última questão, completamente diferente do que temos estado a falar: a sua página de Instagram, onde menciona que as fotografias servem para reflexão, para as pessoas pensarem…

Vera- Exato. Pensem e sintam. O que eu gosto é da dinâmica da resposta. A interação através das palavras dos comentários de um que chama o outro e esse, o outro seguinte e a outra. A imagem é imagem – e eu não tenho dinâmica com a palavra, eu sou mais oratória. Mas a intenção é ação-reação, mais nada além disso. Não faço intervenção verbal. Apenas provoco com a imagem, a imagem é limpa e é cirúrgica. E aí as pessoas têm de pensar sobre o que veem. 


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Outono
November 04, 20190 Comments

Menos tempo com luz solar, mudança de hora, as folhas amareladas, os primeiros ventos mais frescos, as primeiras chuvadas e tempestades, e assim vai chegando o Outono. Embora os dias abafados deste início de Novembro, a verdade é que a maioria das lojas já se vai enchendo com as decorações de Natal, o cheiro a castanha assada preenche a atmosfera em névoas lentas, começa a haver a vontade maior de trocar a esplanada por cafés típicos, comer torradas e beber chás ou capuccinos, ler livros e ficar mais tempo no sofá ou fazer pequenos-almoços caseiros e alongados ao fim do semana. 
Confesso que até eu, preferindo mil vezes o calor, me deixo levar pelo espírito da época, perdendo mais tempo na cozinha, inventando pratos outonais, ou mesmo imaginando como poderão ser para este ano os tradicionais enfeites de Natal. Percebi que quando estamos inspirados conseguimos fazer coisas que nunca antes tínhamos imaginado fazer, e que, quando feitos com dedicação e vontade, acabam por ter resultados bem bonitos.
Sê bem vindo!



Vestido: Acessórios & Companhia

Casaco: El Corte Inglés
Brincos: Zara
Ténis: Belle Époque Boutique (Braga)


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Sunday, November 03, 2019

A arte de beber galão com Leila Gato
November 03, 20190 Comments
Leila Gato dedica-se à arte de bem comer. Mas o verdadeiro lema de vida são as suas "Torradas com Galão". De uma ideia que consistia na criação de um guia gastronómico de cafés e padarias em Lisboa, passou para a construção de um vídeo-log onde vai entrevistando várias personalidades enquanto se trincam tostas e torradas de bom pão, barradas com boa manteiga (e vá, uma vez ou outra, queijo). Os espaços são sempre diferentes, e os temas, são os que os convidados quiserem arriscar. Nesta entrevista contudo falamos com Leila sobre pão, galões, memórias de infância e o crescimento pessoal de uma filha do campo, saloia, como quase todos nós, que se deixou conquistar pelas luzes do Cinema e da cidade. 


Leila, como te definirias? Uma amante de pão, uma viciada de amor por café, uma viciada em manteiga, amante de boa comida ou todas as anteriores? Porquê?


Todas as hipóteses (responde com um sorriso maroto). Primeiro sou uma amante da boa comida, depois do pão e por último de café. Quando digo que “comida é amor” é realmente algo que vem do coração e isso faz-me viajar no tempo quando comia o pequeno-almoço com os meus pais antes de ir para a escola. Hoje em dia eu posso fazer em qualquer hora do dia. Eu sou realmente feliz se, ao chegar a casa, tenho apenas para comer uma torrada com manteiga e um galão.

Do Cinema/Teatro para o mundo do Marketing, Blogger, entrevistas, como descreves o processo de evolução e transformação?


Mudar é algo muito natural para mim. Eu aceito e abraço a Mudança como um degrau necessário para crescer tanto pessoal como profissionalmente. O Cinema sempre fez parte da minha vida desde a infância. Lembro-me de ver filmes quando era muito pequena embora não percebesse o que se estava a passar no ecrã. À medida que os anos passaram e comecei a ir para a escola, para o secundário, comecei a poupar as minhas mesadas para ir ao cinema e comprar revistas sobre filmes. Lembro-me de fazer pesquisas sobre determinado actor ou actriz e realizador. Depois da faculdade, na Escola Superior de Teatro e Cinema, percebi que o meu amor à arte seria sempre perfeito se eu não o levasse para um ambiente de trabalho, e acabei por me relacionar mais com Comunicação de Marcas, passando por uma agência de moda enquanto Relações Públicas e Assistente de Comunicação até ter decidido fazer um mestrado em Marketing Digital. Através da Direcção e Gestão de conteúdos para redes sociais e por toda a questão tecnológica que está associada percebi que o que gosto mesmo de fazer é interagir com as pessoas. Dar um toque mais pessoal ao meu blog e falar com as pessoas enquanto estas estão num momento mais relaxado, que é o de comer, é o que eu faço hoje em dia, então vamos ver o que o futuro traz.





De Pinheiro de Loures até Lisboa, achas que te podes chamar de filha da urbe citadina? Qual pensas ser a diferença entre o pequeno-almoço tradicional familiar e o pequeno-almoço do estilo de vida moderno?

Eu serei sempre uma rapariga de uma vila pequena maravilhada com a cidade grande. Embora Pinheiro de Loures não seja assim tão longe de Lisboa, é um lugar com pouca oferta. Quando comecei a ir todos os dias a Lisboa por época da faculdade, ficava deslumbrada com tudo o que ia descobrindo nas minhas viagens. Hoje vejo Lisboa como a minha cidade mas adoto a sensação de ter um local onde me sinto segura e que posso sempre visitar. Um lugar onde estão as minhas memórias de infância. O pequeno-almoço era uma coisa de família, e havia duas tradições: tomá-lo com os meus irmãos, repetindo o numero de torradas que quiséssemos e ver desenhos animados, e a segunda, ir a um dos cafés perto de casa e, não importando o quão bem cheiravam os bolos acabados de fazer, eu preferia sempre comer pão com manteiga e beber um galão. Acredito que as coisas em Lisboa não fossem ou sejam assim tão diferentes, uma vez que torradas e galões comem-se em todo o lado. Locais diferentes com diferentes pessoas, mas tradições idênticas!


Torradas com Galão: o que se esconde por detrás do nome, o objetivo da ideia e a própria ideia. Qual o processo criativo e o motor que te fizeram começar com este projecto?

Uma vez que as minhas melhores recordações de juventude são comer torradas e beber galões junto dos meus pais, hoje, quando faço o mesmo, é como estar a saborear esses mesmos momentos. Para mim a associação com o projecto foi feita de forma muito imediata. A ideia original era realizar um mapa das melhores “Torradas com Galão” da cidade, explicando porque eram merecedoras de se visitarem e contar um bocadinho das histórias dos cafés, pastelarias. A ideia ficou adormecida por alguns anos até que um dia uma amiga minha desafiou-me a fazer um vídeo. O conceito desenvolveu-se e apostámos num episódio piloto no qual eu falaria com alguém num café enquanto se comiam torradas. A partir daí a conversa pode evoluir de acordo com o convidado. Foi muito fácil apaixonar-me por esta ideia, uma vez que, obviamente, adoro pastelarias e cafés e adoro falar. Tenho apenas que encontrar os locais certos e as pessoas mais interessantes que tornem cada programa único e também é uma forma de alertar as pessoas para os locais mais “cool” de Lisboa e partilhar dois dedos de conversa.

Padarias tradicionais ou cafés de “Instagram”? O que achas que pode ser melhorado de forma que os antigos cafés não percam a sua identidade, perante os novos espaços da moda?

A competição é vigorosa. Hoje por cada 100 novos espaços que abrem, 101 encerram portas e existe sempre algo novo a explorar. Eu prefiro as padarias tradicionais mas acho que existe sempre espaços para improvisar e providenciar um bom serviço. Se os produtos como o pão, a manteiga usada, a farinha e o leite são de qualidade superior, então as pessoas irão regressar certamente. Outra coisa que vem sendo essencial é aceitar a ajuda das redes sociais – a opinião dos influenciadores ajudam a passar a mensagem, mas é essencial a comida ser de boa qualidade. Eu tenho conhecido tanta gente no “mundo da comida” e quero muito mais. Tento sempre dizer a quem tem um novo espaço que seja sempre honesto para consigo e para com os clientes: se o que fazem é pão, então façam pão, não tentem fazer panquecas cheias de chocolate e açúcar que só irão ficar bem para a “fotografia”.

Qual o pão perfeito e qual a padaria perfeita? Tens algum lugar favorito em Lisboa?

Felizmente hoje em dia existem vários locais onde podemos encontrar pão de qualidade em Lisboa. Para mim um bom pão só precisa de 3 ingredientes (farinha e fermento, água e sal). Aprendi recentemente que existem mais 2 ingredientes que podem ser adicionados: amor e tempo. Se o pão for feito com tempo será muito mais saudável e irá ter um sabor muito similar com aquele da nossa infância. Locais como a Terrapão, Isco e Gleba fazem um trabalho excelente no que toca à criação de pão na cidade. Para mim terá de ser crocante e ter uma crosta caramelizada com um sabor mais ácido. Também sou uma apaixonada pelo pão artesanal da Lab (Padaria Portuguesa) que está igualmente a fazer um ótimo serviço na confeção de pão a preços acessíveis para todos os bolsos (o que é essencial nos dias de hoje, embora seja um bem de primeira necessidade). Mas sim, existem sempre formas de melhorar e lançar novos tipos de pães no mercado. O paraíso de Pão para mim.

Consideras então criar um guia no future que inclua as novas e as velhas padarias, contando as histórias à medida que vais apresentando novas criações?

Sim, é algo que sempre esteve nos meus sonhos e planos. Algo que envolva ilustração e storytelling, ou outro tipo de arte! Existem tantas histórias por contar, casais de que trabalham juntos, negócios herdados dos pais ou dos avós, sítios antigos que são recuperados e que abrem portas com um olhar mais moderno. É tudo uma questão de ter tempo e começar a falar com essas pessoas que o conteúdo será sempre rei. Se encontrar uma forma de contar uma boa história todos vão querer conhecer e contá-la também e eu acredito mesmo nisto!




(Entrevista originalmente produzida e publicada em A City Made by People)
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