Quando soube que Marcos Caruso (
@marcoscaruso) e Vera Holtz (
@veraholtz), incríveis atores brasileiros, iriam estar na recentemente inaugurada Livraria da Travessa (colada à antiga Universidade) na Rua da Escola Politécnica para um "bate-papo" sobre as respetivas carreiras, sobre a peça que trouxeram a Portugal por convite da Palco 6 da incansável Ana Rangel e que Marcos já tinha representado nos palcos lusos anteriormente, Intimidade Indecente, decidi que, contrariando a minha própria decência, os iria entrevistar. Não falei com a minha editora (e amiga) Andreia Ferreira da Revista Rua, decidida a avançar sozinha, sem autorização, sem rede e sem alguma experiência, movimentando as peças do jogo à medida que tudo ia acontecendo. Telefonemas primeiro, cara-de-pau depois, presencialmente no evento. Se poderia estar nervosa, se não saberia como iria ser recebida, certamente que depressa os receios passaram. De um "quer fazer entrevista agora ou depois" pelo Marcos, com um abraço da Vera pelo meio, decidi que iria ficar no espaço muito tempo depois do "papo ser batido", dos autográfos e fotos serem realizados.
A verdade é que já tinha conhecido a atriz Maria Ribeiro antes, e a sensação de calor humano são inegáveis - será por isso que tanto amo o Brasil, não há tempo para "merdas" de sermos "atores famosos", de haver manias ou superioridades ou não te conheço, não vou responder. No Brasil todo o mundo é rico (de cultura, de bons hábitos, de educação, mesmo nascido na "comunidade"), todo o mundo é afável.
Quando terminei e fomos literalmente arrastados para fora da livraria (entre risos e simpatia sempre!), depois de me despedir de ambos e ainda de Guilherme Leme (também ele ator, mas agora encenador da peça), escrevi a Andreia perguntado se ela estava interessada. O feliz resultado pode ser lido aqui
Revista Rua entrevista Vera e Marcos, mas a entrevista em cru deixo aqui no blogue:
A história, que segundo aos
atores provoca as lágrimas ao público mais jovem e os risos aos mais velhos, é
a de Mariano e Roberta, que se separam aos 50 anos após uma vida em comum.
Durante o texto, vemos os seus encontros e desencontros, a sua intimidade sendo
dissecada, falando de tudo, e sem nunca cair a cortina, a sua evolução até
perto dos 90 anos. A história de amor é a de um casal que simplesmente nunca
deixa de acreditar ou desiste do outro, nem tão pouco do amor, para
compartilhar o dia-a-dia.
Ao longo da conversa com os
presentes, numa “Travessa cheia” e que durou quase mais de 2 horas, Marcos
Caruso assumiu que teve dúvidas em retornar ao personagem Mariano, após tantos
anos de interpretação, quantos de afastamento com o texto. Contudo assumiu que ao
pegar novamente na obra, compreendeu que a experiência anterior e a passagem do
tempo lhe possibilitaram um novo fôlego: “18 anos depois, a encenação é
completamente diferente. Tem uma nova roupagem, foi feita outra leitura do
texto. Quem se separa aos 50 anos não é igual a quem se separa aos 65 ou aos 70
anos. O tesão muda, o respeito cresce, além de ser um texto intemporal e
universal. É uma questão humana, que também vai sendo atualizada pelo próprio
público. A peça retoma a indecência de uma intimidade num mundo, atualmente,
rápido, de consumo rápido, “tabletizado””(Caruso faz aqui referência ao uso de
smartphones, tablets, etc.). Dentro do contexto Holtz esclarece e exclama entre
aplausos da audiência: “A peça tem vida, eu quero falar de Amor, do presencial!”.
Explicou também que quando substituiu Irene Ravache na personagem Roberta, a
audiência brasileira se ressentiu “(…)durante a minha primeira semana senti que
o sucesso da peça poderia sair prejudicado. Depois, logo no fim-de-semana
seguinte, tivemos a opinião de uma das maiores críticas de teatro da rede Globo,
uma mulher muito feroz nas suas apreciações, mas que felizmente foi muito
positiva. Na altura foi quando senti que não tem problema um ator ficar no
lugar de outro ator, mas a personagem nunca foi inteiramente minha – era da
Irene e eu estava fazendo como a Irene fazia. Nesta encenação para Portugal,
retomamos o texto com muito mais calma, com um ensaio maior e foi criada uma
“nova” personagem.
Em relação à peça e em
relação ao que vocês apresentam, explicando de uma forma tão pura o que ela
representa, qual acham que é o segredo para manter a paixão viva ao final de
tantos anos, será o sexo mais importante do que o amor até determinada idade,
ou será o amor que passa a ser mais importante. O que acham que é o ponto que faz
as pessoas continuarem juntas após tantos anos, como evolui o relacionamento?
Marcos – A essência é saber
ceder. Se você ficar preso ao conceito de que o que você acha que é o mais
certo, correto, e bom para você e para os dois, eu seu nome ou em nome dos
dois, então vai dar com “os burros na água”, porque o outro também vai defender
o seu ponto de vista. E aí é uma briga que não tem fim.
Guilherme- Aí é tolerância!
Marcos- No mundo atual, a
tolerância é o mais essencial para que qualquer relacionamento se dê, seja
homem-mulher, homem-homem, mulher-mulher, seja governo-povo, patrão-empregado,
se você souber ceder, pedir desculpa, a coisa vai.
Vera- Até o planeta e o homem – e
a multiplicidade que temos hoje, não é a dois apenas, é coletiva, é planetária,
terráquea – as minhas relações sempre foram mais passageiras, mas a amizade que
continuamos a ter, profunda, têm uma chama, e é uma questão de admiração e da
surpresa constante em relação ao outro, é uma chama que se mantem e é uma coisa
importante.
Em relação a relacionamentos
numa época de globalização. Estará a continuidade de relações associadas a
questões culturais? Numa sociedade fechada, onde um casal já não se ama ou
possivelmente tenha respeito sequer, poderá manter-se junto apenas por uma pressão
social ou familiar?
Vera – Sim, claro! O modelo
inicial do casamento é isso, mas nem um homem ou mulher podem ter nascido para
serem casados, esposo ou pai, esposa ou mãe ou terem necessidade de
constituírem família. Podem querer ter um papel mais importante com a
sociedade. Uma relação com filhos é igual. Há tanta gente que se separa cada
vez mais velha e algumas pessoas até perguntam “mas eu podia fazer isso?”. E às
vezes só separam com a morte do parceiro. E ouvimos dizer: que bom estar
sozinha/o. Mas foi preciso alguém falecer, desaparecer naturalmente. E cada vez
mais há tanta gente que estuda o comportamento humano, jovens que têm uma
capacidade tão impressionante para auxiliar nessas questões, que é preciso
aprender e a reaprender e pedir ajuda.
Marcos – “Engana-se aquele que
pensa que pela felicidade se alcança a liberdade”. Na verdade é a liberdade que
traz a felicidade. Eu tenho de ser livre para ser feliz. Quanto mais a
sociedade controla, fecha, culpa, mais as pessoas se sentem infelizes. A
felicidade está inteiramente ligada à palavra Liberdade.
Vocês sentem isso no Brasil?
Marcos – Não é apenas cultural.
Nós somos é todos cristãos. Então a culpa vem daí, da religião também. E não é
do Brasil de hoje. É o complexo de sempre. (Vera interrompe e diz que o Brasil
até é conhecido por ser vira-lata). O Brasil culpado, colonizado, é um peso. E
noutros países também. Por exemplo, a sociedade cultural de Portugal sofreu
imenso com a culpa, com o conceito de culpa, pela Inquisição, pela presença da
Igreja. Quem se conseguiu libertar e não de uma forma hipócrita, é mais feliz.
Eu vejo a sociedade norte-americana por exemplo, que se diz feliz, mas é
totalmente hipócrita – podem sentir-se felizes, mas eu acho que não. Estamos em
busca da liberdade, galgando degraus múltiplos em busca da Felicidade.
Sobre as conversas que
geralmente vocês têm com o público no Brasil, após as peças que são realizadas,
como é que vocês explicam o facto de haver tanto respeito entre as pessoas. De
uma querer ouvir a outra e esperar pela resposta, será uma questão cultural
também, de educação? Poderá haver algum extremismo em termos de opinião quando
as classes podem ser menos letradas, menos tolerantes?
Guilherme – Eu acho que é mesmo
uma questão de educação, de boa-educação. Porque a gente conhece muitas pessoas
com um nível cultural elevado e que não são educadas, que é intolerante,
intransigente.
Marcos- Se você cultiva bons
hábitos, você tem bons hábitos. Hoje em dia estamos criando robots, gente insensível,
por causa de maus hábitos. Estamos assistindo a uma crise de baixa-estima no
Brasil, social e cultural.
Vera- Nós estamos a deslocar as
pessoas do seu habitat natural quando há o debate. É uma távola redonda, e o
princípio da mesa é que não há uma cabeceira, são todos iguais. Há sempre quem
lança a provocação, mas há sempre quem não responda, havendo respeito. O teatro
é também isso. Por exemplo, na rede social, não há filtro, mas tem de haver
limite.
E dentro de um Brasil tão
multicultural …
Vera- Tem de haver educação. E
deveria haver educação regionalizada no Brasil. Todos deveriam conhecer os
costumes e culturas de cada um dos estados e dos estados vizinhos.
Vera, última questão,
completamente diferente do que temos estado a falar: a sua página de Instagram,
onde menciona que as fotografias servem para reflexão, para as pessoas
pensarem…
Vera- Exato. Pensem e sintam. O
que eu gosto é da dinâmica da resposta. A interação através das palavras dos
comentários de um que chama o outro e esse, o outro seguinte e a outra. A
imagem é imagem – e eu não tenho dinâmica com a palavra, eu sou mais oratória.
Mas a intenção é ação-reação, mais nada além disso. Não faço intervenção
verbal. Apenas provoco com a imagem, a imagem é limpa e é cirúrgica. E aí as
pessoas têm de pensar sobre o que veem.