O bordado madeirense tal como o conhecemos não teve origem nem no século XIX nem na influência britânica, como poderíamos imaginar. Os primórdios remontam à própria povoação da ilha da Madeira e quanto à iniciativa inglesa, apenas serviu (e bem!) à abertura de portas a um mercado internacional. A partir deste momento, o bordado terá então deixado de ser uma arte local e os produtos passam a ser para consumo externo, crescendo tanto a sua importância, como, claro, o seu valor comercial.
ORIGEM HISTÓRICA
Pensa-se que os primeiros registos datem de longos tempos antes da era cristã. O primeiro vestígio fóssil pertence a 30000 AC, sendo que o primeiro tecido bordado encontrado na China tenha cerca de 5500 anos. E é possível também que o berço deste trabalho de agulha e perícia pertença algures entre o Oriente, o Médio Oriente e a Rússia. Tendo o Mediterrâneo como pano de fundo e meio de comunicação entre os povos, facilmente se entende que gregos, egípcios, muçulmanos e judeus tivessem tido igualmente um papel preponderante na sua divulgação.
Com a chegada à Idade Média, Roma torna o bordado como um produto de luxo, sendo que a partir do século XVI a capital passa a ser um dos maiores centros de trabalho manual - a idade do Ouro veio a tornar ainda mais rigorosa esta ideia. As aplicações várias dos bordados às várias monarquias europeias e ao clero, elevam esta arte a um patamar superior. Eram usados materiais como a seda e o próprio metal dourado para adornar as peças de vestuário - e estas apenas circulavam nos estratos sociais mais elevados.
BORDADO EM PORTUGAL
Com presença secular antiga, o bordado em Portugal é geralmente atribuído às regiões do norte e centro do país com destaque também para a zona de Nisa. Não é por isso estranho quando olhamos para a Madeira, e observamos a presença do bordado desde os primeiros povoadores, oriundos, essencialmente, destas zonas. Um dos principais grupos de imigrantes era proveniente de Viana do Castelo oque reflete assim que a tradição é tão antiga como o povoamento da própria ilha atlântica.
De forma a dar resposta às então necessidade de vestuário tornou-se comum o pastoreio de ovelhas para fornecimento de lã bem como o cultivo de linho na região insular. Só em Santana e na Calheta funcionavam 160 a 165 teares sendo que o Funchal funcionava como mercado de acesso aos tecidos importados - isto levou a alguns problemas, nomeadamente (e por incrível que pareça) devido ao facto de por esta via e forma de trabalhar, qualquer pessoa poderia envergar peças consideradas luxuosas. Se em 1686 D. Pedro tentou controlar a riqueza ostensiva que o povo envergava, já em 1749, D. João V admitia toda a possibilidade de se puderem usar roupas bordadas, brancas, desde que, facto muito importante, fossem fabricadas exclusivamente dentro do território dominado por Portugal.
DESENHO, PICOTAGEM, ESTAMPA, BORDADO, ENGOMAR
Com a evolução do tempo e sem dúvida com o apoio de Mary Phelps, bem como de tantas outras ilustres famílias europeias, o Bordado da Madeira iria finalmente dar o salto e ser reconhecido internacionalmente, afastando-se da índole caseira e praticamente familiar. As bordadeiras dedicar-se-iam a partir desse momento à prática do bordado tendo por base 5 fases distintas mas essenciais à sua concretização sem mácula. Nascem assim as "casas de bordado", na realidade casas ou lojas comerciais, cuja função seria a preparação e a distribuição do tecido e linhas pelas bordadeiras espalhadas pela ilha através de caixeiros. Os panos eram já levados com as estampas sendo então bordados em casa de cada uma. Uma vez regressado à casa-mãe, no Funchal, a tarefa seria engomar e embalar as encomendas com destino à venda.
SELO DE GARANTIA
Em Dezembro de 1938 passa a ser obrigatório a presença de 1 selo de qualidade e garantia em cada peça. Com a criação do Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira em 1977 a defesa da autenticidade do bordado passa a ser uma prioridade. A partir de 2000, o uso de 1 selo holográfico torna-se obrigatório bem como uma garantia contra falsificações.
DIÁSPORA DO BORDADO DA MADEIRA
Marcados pelas Guerras Mundiais e pela pobreza causada pelo parco desenvolvimento e incúria governativa, muitos foram os madeirenses que abandonaram a sua terra natal em busca de melhor vida, não sem dor e mágoa pela sua difícil decisão. Consigo levaram os conhecimentos herdados da tradição e sendo recebidos por países como o Brasil, Venezuela ou África do Sul, em breve estes locais, principalmente o Brasil, pedem imigração de bordadeiras madeirenses para dar cobro à demanda de produtos. Se o bordado se torna conhecido no Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará, é neste último estado e em quase toda a região nordeste onde ganha maior importância continuando aos dias de hoje um elemento bem vivo no seu setor industrial. Em Fortaleza chega a ser uma das principais atividades económicas. Na Bahia é conhecido o trabalho do bordado até mesmo nas tradicionais vestes baianas. Se o bordado nasceu do mundo até chegar à Madeira, da Madeira o Bordado Madeirenses cresceu para todo o Mundo.
O BORDADO E O FUTURO
É cada vez mais evidente que em pleno século XXI o Bordado da Madeira passa a ser uma questão de tradição e cultura nacionais. Mais do que uma e qualquer necessidade de vestuário é sem dúvida um ex-libris de toda uma região portuguesa, uma lembrança para levar de regresso de viagem, um trabalho aplicado a estanho e madeira, rico, para destacar em uma ou várias divisões de casa. Mudam-se os tempos e as vontades, mas o orgulho pelo desenho, picotagem, estampa e bordado permanecem intactas mesmo face a várias crises, económicas ou pandémicas. Resta às gerações vindouras saberem preservar a manter viva esta tão bonita arte manual.
(English Version)
Madeira embroidery, as we know it, is not from 19th century origin nor has British influence, as we might imagine. The beginnings date back to the early colonization of Madeira Island and, as for the English initiative, it only served (and well!) to open doors to an international market. From this moment on, embroidery will then no longer be a local art and the products will be for external consumption, increasing both its importance and, of course, its commercial value.
HISTORICAL ORIGIN
The earliest records are thought to date back long before the Christian era. The first fossil remains belong to 30,000 AD, with the first embroidered fabric found in China being around 5500 years old. It is also possible to consider that the cradle of this work of needlework and expertise belongs somewhere between the East, the Middle East and Russia. With the Mediterranean as a background and means of communication between people and cultures, it is easy to understand that Greeks, Egyptians, Muslims and Jews had equally played a preponderant role in its dissemination.
With the arrival of the Middle Ages, Rome turned embroidery into a luxury product, and from the 16th century onwards the capital became one of the biggest centers of manual work - the Golden Age made this idea even more serious. The several applications of embroidery to various European monarchies and clergy, elevate this art to a higher level. Materials such as silk and gold metal itself were used to adorn the garments - and these only circulated in the higher social strata.
EMBROIDERY IN PORTUGAL
With a centuries-old presence, embroidery in Portugal is generally attributed to the northern and central regions of the country, with an emphasis also on the Nisa area (north Alentejo). Therefore, it is not strange when we look at Madeira and observe the presence of embroidery since its first settlers, which came essentially from these areas. One of the main groups of immigrants came from Viana do Castelo which reflects that the tradition is as old as the settlement of the Atlantic island itself.
In order to respond to early settlers need for clothing, the herding of sheep to supply wool as well as the cultivation of flax in the island region became common. Only in Santana and Calheta there were 160 to 165 looms, and Funchal was the market for access of imported fabrics - this led to some problems, namely due (and oddly enough) to the fact that with this way of working, anyone could wear pieces considered luxurious. If in 1686 D. Pedro tried to control the ostensive wealth that the people could actually wear, as early as 1749, D. João V admitted the possibility of everyone to use embroidered white clothes, provided that they were manufactured exclusively within the territory dominated by Portugal.
DRAWING, PICKING, PRINTING, EMBROIDERY, IRONING
With the evolution of time and undoubtedly the support of Mary Phelps, as well as of many other illustrious European families, Madeira Embroidery would finally take the leap and be internationally recognized, moving away from the homely and practically familiar nature. From that moment on, the embroiderers would dedicate themselves to the practice of embroidery based on 5 distinct but essential phases for its precise implementation. Thus,"embroidery houses" were created, corresponding in reality to houses or commercial stores, whose function would be the preparation and distribution of fabric and threads by the embroiderers spread across the island through clerks. The cloths would be already taken with the prints and then embroidered in each one's home. Once back at the mother house in Funchal, the task would be to iron and pack the orders destined for sale.
GUARANTEE SEAL
In December 1938, the presence of one quality and guarantee seal on each piece becomes mandatory. With the creation of the Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato da Madeira in 1977, defending the authenticity of embroidery becomes a priority. From 2000 until today, the use of one holographic seal becomes mandatory as well as a guarantee against forgeries.
DIASPORA OF MADEIRA EMBROIDERY
Marked by the World Wars and poverty caused by lack in development and government negligence, many Madeirans left their homeland in search of a better life, but not without regret and sorrow for their difficult decision. With them there was the knowledge inherited from the tradition, and once arrived in countries like Brazil, Venezuela or South Africa, soon enough, they were asked to meet the demand for products. If embroidery becomes known in Rio de Janeiro, São Paulo and Ceará, it is in the latter state, and in almost the entire northeast brazilian region, where it gains greater importance, continuing to the present day a very lively element in its industrial sector. It is also one of the main economic activities in Fortaleza. In Bahia, the work of embroidery is best known in traditional Bahian garments. If embroidery was born from the world until it reached Madeira, Madeira Embroidery grew from Madeira to the whole world.