A começar, "O Desencanto" é um livro contemporâneo, localizando a ação em Madrid, mas que poderia passar-se em Lisboa, Porto, Londres - qualquer uma dessas metrópoles europeias, desde que a personagem principal (nós mesmos) nos sentíssemos em uníssono: num enorme buraco negro na vida laboral, no qual os "highlights" passam pelo tempo entre a nossa casa e o escritório. Momentos durante os quais podemos alienar-nos, lendo, ouvindo música, fazendo algo que realmente nos agrade e quiçá, preencha mais, no que respeito diz a fazer-nos sentir úteis ou, simplesmente, felizes.
Outros momentos que aligeiram o tormento: exposições, podendo trocar o Prado da história (não tão) ficcionada, por uma Gulbenkian ou Arte Antiga, palestras literárias, ver vitrines e montras. Como escreve a autora, não inteiramente por estas palavras, "coisas que não são feitas para o tamanho da nossa parca conta bancária, mas que nos preenchem a alma.
Seja como for, desde quando cheguei a este ponto? Qual terá sido o momento preciso em que me tornei igual, exatamente igual, a todo um grupo de pessoas, trabalhadoras, sim, mas com quem nunca me tinha (nem queria) identificar?
Podemos falar do cansaço de ter de lutar para pagar contas, as quais nem dois trabalhos (precários) conseguem colmatar, as constantes preocupações com saúde de familiares, verificar o estado lastimável para onde o mundo se vira - e saber que muitos rejubilam de felicidade em ver que estamos recuar décadas (talvez séculos) de evolução social.
Mas a verdade é que sim, a vontade de atirar a toalha ao chão é brutal, num mundo onde parar não é opção, mas continuar a remar contra a maré, também não parece ser inteligente.
De acordo com "O Desencanto" a personagem principal, publicitária por trabalho - não por profissão -, ensina-nos (a todos, independentemente do que façamos), como "sobreviver" a cada dia de labuta. Como consegue fazer de conta que faz muita coisa e apresentar trabalho, quando na verdade, apenas faz o que todos os outros fazem, copy-paste de ideias, apresentadas com outra roupagem, com outras palavras e voilá, feito. Isto, temos de admitir, SEM RECORRER a essa máquina maravilhosa que é o chatGTP - coisa medonha, mas que dá imenso jeito quando a inspiração parece não querer colaborar. Conto pelos dedos de 1 mão apenas as vezes que recorri à IA para me lançar umas duas frases que me dessem alento. Ainda assim, é uma ferramenta útil, caso a saibamos usar (bem!) em nosso proveito.
Ainda assim, garantidamente, algo diferente se apoderou da minha pessoa. Sinto que me aproximo mais (e não apenas por empatia) das pessoas que comigo andam nos transportes públicos, a tal classe social que é identificada como pobre (e, graças a uma comunicação social elitista, como perigosa ou criminosa), das mulheres que terão, certamente, nas suas cabeças muitíssimo mais do que afazeres profissionais, mas sim domésticos e familiares.
E apesar da minha cabeça borbulhar de ideias, a minha capacidade de enquadramento e organização de pensamentos, acaba por estar anos-luz de distância de qualquer funcionalidade.
Ou é por cansaço, ou porque a procrastinação não ajuda.
A exemplo, demorei 4 dias a partilhar este texto, estando o primeiro parágrafo redigido num caderno. E entretanto, quantos temas terei debatido com conhecidos ou amigos, coisas sem qualquer suposta relevância ou, pelo contrário, com toda a importância que, para mim, apresentam?
Os dias banais sucedem-se, pois é, em dias de, agora outono, que não se prolongam, bem pelo contrário, nem tão pouco repetem. A cadência, ou decadência, temporal é real, embora possam ajudar as temperaturas acima do normal, que neste fim de semana se fazem sentir. Mas a noite avança rapidamente, pedindo para recolhimento, e algum silêncio. Mesmo mental.
Há quem possa também falar em depressão, melancolia, saudade, ou simplesmente, solidão. Mas sabem que agradeço o estar sozinha num mundo em ruído permanente, onde notícias são partilhadas e estilhaçadas no mesmo momento, dessecadas à verdade e à mentira perante as crenças de cada um de nós.
Na verdade, e citando o livro que agora me passa pelas mãos e olhos, "A verdade é que não sei fazer nada em particular e não sei como é que cheguei até aqui. Desconfio que fui aperfeiçoando a brincadeira dos escritórios até que os outros começaram a acreditar que sou uma grande profissional".
Errata - EU SEI QUE SOU uma grande profissional, mas sei que estou subaproveitada e a perder qualidades, se não me auto alimentar intelectual e cientificamente.