Giovanni Antonio Canal, dito Canaletto, "Regatta no Grande Canal"
Saturday, January 11, 2025
Sunday, January 05, 2025
Saturday, January 04, 2025
Veneza em Festa - Exposição no Museu Calouste Gulbenkian |
Contudo, a sua origem, que remonta às primeiras tribos, representam, tendo por recurso pigmentos que nos chegam aos dias de hoje, cenas da natureza, fauna e flora. Evoluindo ao longo de milhares de anos, estas manifestações tornam-se particularizações espirituais ou rituais. A exultação a deuses e criadores, personagens mitológicas ou outras reais. A Arte e a Estética vão avançado lado a lado, nem sempre com o conceito como hoje o conhecemos. E ainda assim, vão dependendo das diferentes regiões e culturas mundiais, sendo que, onde uns consideram, a exemplo, o "vedutismo" um género de arte na pintura, outros exemplificam o chá, a água, um jardim, como elementos que podem e devem ser representados pelo seu simbolismo e importância social.
Com o surgimento da fotografia, a amplitude aumenta. O desejo de retratar de forma direta, o momento presente, recordação para o amanha, acaba por transformar, uma vez mais, o objetivo da Arte, ou, melhor, acaba por se transformar, em si mesmo, em mais uma forma da mesma.
Pessoais e objetivos, Arte e Estética, afinal, dependerão de quem os aborda e de quem é seu espectador. Ou da sugestão que lhe é dada, ou até mesmo de um interlocutor (um influenciador). Uma imagem pode ser "bela" aos olhos de um grupo de pessoas, independentemente da forma como lhes é apresentada, seja por escultura, pintura, desenho, fotografia, música, cinema ou de tantas outras maneiras. Uma imagem pode apenas ser significativa, impactante a quem a cria ou a uma única pessoa que a aborda. No fundo, como escreve Martim Sousa Tavares em "Falar Piano e Tocar Francês", "o poder da atribuição de beleza (aloca-se) na pessoa que observa e não no objeto observado, fazendo com que este não tenha determinado valor absoluto e intrínseco".
Transportando esta teoria para o prisma de luxuosidade, pode-se afirmar que uma obra de arte, mais do que a sua estética, que, por sua vez, é muito mais susceptível à ideia do espectador, terá apenas valor quando se distingue pelo legado e capacidade de adaptação às diferentes gerações? Uma vez mais, qual será o preciso momento no qual um objeto deixa de apenas o ser e transfigura-se em algo admirável, além de belo, transmitindo sensações únicas?
Wednesday, January 01, 2025
Outra definição que poderia caracterizar o tema "Luxo" e que dá origem aos futuros textos e monólogos durante este novo ano. Algo diferente sim.
Tuesday, December 31, 2024
TIC TAC
TIC TAC
TIC
TAC
Poderia ser mais uma publicação sobre o final do ano. Mas na verdade, queria fazer deste texto uma quase monografia sobre a transição do momento. Ou aquilo que para muitos se inicia por "inverso", ou a subversão da ordem.
O conhecido intervalo de tempo no qual as pessoas entregam-se às festas e aos prazeres, tenham eles qualquer origem, para, de seguida, iniciarem um período de restrição que, não raramente tem começo na Páscoa e término no Dia da Ascensão.
Mas falar disso, implica todo um trabalho de pesquisa que ainda não está completo, pelo que apenas posso garantir - aproveitem estes meses próximos. Encham os olhos, encham as mentes, cultivem-se. Visitem exposições, leiam livros, não se iludam por pequenos ditadores, sejam eles de que lado forem da barricada.
Vivam cada momento, cada dia. Porque se estou, ou quero falar de luxos, de preciosidades, de momentos, de transições, de virada do calendário, apenas uma única coisa é comum a todos: o Tempo. Nada mais. E mesmo assim há que o perca rapidamente, em devaneios, em pouca lucidez, porque é mais fácil atenuar as dores em algo que nos deixe sem conseguir sentir.
Como disse há dias a uma inspiração minha, podemos parar, e nem perder tempo com essa paragem.
Dia a dia, de cada vez.
Wednesday, December 25, 2024
Falar de natal é falar de rituais. Sejam eles de origem cristã, ou, mais adequadamente, de origem pagã. Podemos, se quisermos, dissecar a epoca de festa, apontando para a necessidade básica e, muitas vezes, conturbada de óbvio massacre e obrigação, de juntarmos no mesmo espaço, um grupo de pessoas, muitas vezes associadas por sangue (família biológica), mas das quais só queremos uma coisa ao resto do ano - a distância de segurança, normalizada, de forma a evitar perguntas intrusivas ou discussões sobre os diversos temas da atualidade, que, cada vez mais, mostram uma fratura na sociedade moderna.
É, claramente, a época que anuncia os excessos de consumo, seja material ou, porque não, alimentar - o início de uma época designada por "inverso" que irei melhor explorada em breve, refletindo sobre a sua origem e sobre a sua associação com o que se entende por "luxo".
Podemos refletir sobre isto, ou podemos mencionar que o natal corresponderá a um recomeço, a uma época de início, apontada dias antes pelo solstício de Inverno (a noite mais longa que dá origem aos dias maiores e mais quentes), o ponto mais afastado do sol em relação à terra. Há quem evoque a tradição da queima do madeiro, que ocorre na noite de 24 de dezembro, na verdade, o fogo que aquece Jesus nascido, e podemos também averiguar a sua origem mais remota, de como se celebrava o fenómemo astronómico, também ele associado a um novo ponto de partida, pelos povos celtas.
Seja como for, é, definitivamente, o momento de transição anual, validando um calendário mais ou menos lunar, que antecede o início de um novo ano, de prosperidade, crescimento, fertilidade, que culminará no estio.
Não deixa, no entanto, de ser também, uma época de reflexão. Deveria de ser uma época de recolha, de maior solitude.
Sunday, November 17, 2024
A começar, "O Desencanto" é um livro contemporâneo, localizando a ação em Madrid, mas que poderia passar-se em Lisboa, Porto, Londres - qualquer uma dessas metrópoles europeias, desde que a personagem principal (nós mesmos) nos sentíssemos em uníssono: num enorme buraco negro na vida laboral, no qual os "highlights" passam pelo tempo entre a nossa casa e o escritório. Momentos durante os quais podemos alienar-nos, lendo, ouvindo música, fazendo algo que realmente nos agrade e quiçá, preencha mais, no que respeito diz a fazer-nos sentir úteis ou, simplesmente, felizes.
Outros momentos que aligeiram o tormento: exposições, podendo trocar o Prado da história (não tão) ficcionada, por uma Gulbenkian ou Arte Antiga, palestras literárias, ver vitrines e montras. Como escreve a autora, não inteiramente por estas palavras, "coisas que não são feitas para o tamanho da nossa parca conta bancária, mas que nos preenchem a alma.
Seja como for, desde quando cheguei a este ponto? Qual terá sido o momento preciso em que me tornei igual, exatamente igual, a todo um grupo de pessoas, trabalhadoras, sim, mas com quem nunca me tinha (nem queria) identificar?
Podemos falar do cansaço de ter de lutar para pagar contas, as quais nem dois trabalhos (precários) conseguem colmatar, as constantes preocupações com saúde de familiares, verificar o estado lastimável para onde o mundo se vira - e saber que muitos rejubilam de felicidade em ver que estamos recuar décadas (talvez séculos) de evolução social.
Mas a verdade é que sim, a vontade de atirar a toalha ao chão é brutal, num mundo onde parar não é opção, mas continuar a remar contra a maré, também não parece ser inteligente.
De acordo com "O Desencanto" a personagem principal, publicitária por trabalho - não por profissão -, ensina-nos (a todos, independentemente do que façamos), como "sobreviver" a cada dia de labuta. Como consegue fazer de conta que faz muita coisa e apresentar trabalho, quando na verdade, apenas faz o que todos os outros fazem, copy-paste de ideias, apresentadas com outra roupagem, com outras palavras e voilá, feito. Isto, temos de admitir, SEM RECORRER a essa máquina maravilhosa que é o chatGTP - coisa medonha, mas que dá imenso jeito quando a inspiração parece não querer colaborar. Conto pelos dedos de 1 mão apenas as vezes que recorri à IA para me lançar umas duas frases que me dessem alento. Ainda assim, é uma ferramenta útil, caso a saibamos usar (bem!) em nosso proveito.
Ainda assim, garantidamente, algo diferente se apoderou da minha pessoa. Sinto que me aproximo mais (e não apenas por empatia) das pessoas que comigo andam nos transportes públicos, a tal classe social que é identificada como pobre (e, graças a uma comunicação social elitista, como perigosa ou criminosa), das mulheres que terão, certamente, nas suas cabeças muitíssimo mais do que afazeres profissionais, mas sim domésticos e familiares.
E apesar da minha cabeça borbulhar de ideias, a minha capacidade de enquadramento e organização de pensamentos, acaba por estar anos-luz de distância de qualquer funcionalidade.
Ou é por cansaço, ou porque a procrastinação não ajuda.
A exemplo, demorei 4 dias a partilhar este texto, estando o primeiro parágrafo redigido num caderno. E entretanto, quantos temas terei debatido com conhecidos ou amigos, coisas sem qualquer suposta relevância ou, pelo contrário, com toda a importância que, para mim, apresentam?
Os dias banais sucedem-se, pois é, em dias de, agora outono, que não se prolongam, bem pelo contrário, nem tão pouco repetem. A cadência, ou decadência, temporal é real, embora possam ajudar as temperaturas acima do normal, que neste fim de semana se fazem sentir. Mas a noite avança rapidamente, pedindo para recolhimento, e algum silêncio. Mesmo mental.
Há quem possa também falar em depressão, melancolia, saudade, ou simplesmente, solidão. Mas sabem que agradeço o estar sozinha num mundo em ruído permanente, onde notícias são partilhadas e estilhaçadas no mesmo momento, dessecadas à verdade e à mentira perante as crenças de cada um de nós.
Na verdade, e citando o livro que agora me passa pelas mãos e olhos, "A verdade é que não sei fazer nada em particular e não sei como é que cheguei até aqui. Desconfio que fui aperfeiçoando a brincadeira dos escritórios até que os outros começaram a acreditar que sou uma grande profissional".
Errata - EU SEI QUE SOU uma grande profissional, mas sei que estou subaproveitada e a perder qualidades, se não me auto alimentar intelectual e cientificamente.
Saturday, November 02, 2024
Marco Paulo morreu, VIVA Marco Paulo.
Goste-se ou não do estilo musical, das canções românticas, muito datadas de anos 80, com um quase nada, quase tudo de sotaque português a partir de uma versão brasileira, ou de arranjos a partir de originais espanhóis ou italianos, Marco Paulo foi um dos maiores ícones da música nacional.
Será impossível não se conhecer pelo menos um refrão do extenso repertório. Pelo que, a agora tendência de se interrogar "Quem?" sempre que algum artista (non-grato) desaparece deste plano, é, no caso, completamente abjeta.
Posto isto, os comentários após o seu falecimento, demonstram um profundo desconhecimento social, diria até musical, desconsiderando a enorme voz do artista. Contudo, o que mais choca foram as retóricas estabelecidas com base no típico preconceito, diria mesmo, machista. Sei que ninguém o é em Portugal (por quem sois), claro, mas quando se limita Marco Paulo a uma faixa social apenas feminina, e não raramente, pobre e iletrada, as "sopeiras" como Luís Osório tão bem recordou no seu elogio ao cantor, as "donas de casa", existe, sem dúvida uma agravante desnecessária.
Tal como nas últimas semanas, muitos elementos da nossa elite, promoveram os suburbanos a gente pobre, sem acesso à educação, e, também, potencialmente perigosa, assim que Marco Paulo morreu, o espetro aumentou ainda mais. Afinal eu estava certa - somos mesmo quase analfabetos(as), que sonhavam alto enquanto cantarolavam as cantigas de amor, enquanto lavavam as roupas dos outros, as próprias, passavam a ferro, ou faziam as limpezas nas casas dos "senhores".
No livro "Na terra dos outros" de Manuel Abrantes, faz-se um retrato e relato, bem verdadeiro, sobre essas raparigas, que bem jovens, vieram na província, ao longo de décadas, para trabalhar nas casas das cidades maiores, muitas delas tornando-se alvos fáceis dos desejos dos patrões, dos "senhores", ou, talvez melhor infelicidade, das iras das patroas, as "senhoras", bem explanado pelos tabefes e outras agressões físicas. Por outro lado, basta relembrar também as principais vítimas das cheias de 1967, muitos e muitas, também eles, procurando uma vida melhor, longe da maior pobreza de onde tinham saído.
Menosprezar estas gentes, que são hoje avós e pais, da geração "mais bem preparada de sempre" que Portugal tem, através do escárnio, e a partir de um cantor de música ligeira portuguesa, é menosprezar quem vota. Esses mesmos que, sendo iletrados, são os que conferem Poder a todos aqueles que os olham de alto, protegidos pelo seu privilégio, conferindo-lhes a adjetivação que bem conhecemos.
Marco Paulo, por sua vez, apenas queria cantar para um publico que, realmente, lhe conferiu um epíteto de ídolo. Fossem mais mulheres e menos homens, aquele que nasceu no Alentejo, que tinha Amália como devoção, que adorava a mãe mais que tudo, que não recebeu, talvez, o carinho e apoio de um pai que o via "diferente". Marco Paulo, ou João Simão da Silva, de quem a vida privada pouco se conheceu, e a que se sabia, ainda alimentou algumas histórias e polémicas, como acontece com todos aqueles que chegam à primeira linha de fama real. Marco Paulo, aquele que, amado por milhares, detestado por alguns poucos, com feitio irascível que o "stardom" lhe conferia, e que ainda terá servido de inspiração a um Tony Silva de Herman José.
Aquele Marco Paulo, das sopeiras e donas de casa, de todos os jovens nascidos entre 70 e 80, e também inícios de 90, que o cantavam em karaokes e festas de aniversário nas garagens, a par de Prince, ou mais tarde Nirvana. O Marco Paulo do "sempre que brilha o sol", "eu tenho dois amores", "uma lady na mesa, uma louca na cama", aquele que será recordado por muitos mais anos do que qualquer um dos novos "grandes" nomes da música nacional.
Aquele que representa, senão uma geração, toda uma classe social, de acordo com os entendidos da cultura portuguesa. Aquela gente que, na verdade, não sabe nada, de nada.
Thursday, October 24, 2024
Eu sei que ninguém me perguntou nada. E que a minha opinião valerá zero, embora habitante de uma antiga vila-tornada cidade dos arredores de Lisboa, desde há 40 anos. Ou seja, desde que nasci.
Mas a verdade é que a periferia da capital não é um grande bairro social, tal como o Porto, caracterizado pelos seus bairros tão pitorescos e típicos, não pode ser identificado como uma cidade perigosa - pese os locais, até há uns tempos, completamente impossíveis de penetrar. A exemplo, o "Morro da Pena Ventosa" (o bairro da Sé), tão bem descrito por Rui Couceiro, no livro com o mesmo título.
Ainda assim, é com profundo espanto (e revolta!) que desde a pandemia, vejo, sempre que há "problemas", apelidarem-se as cidades dos arredores de Lisboa, que perfazem a grande área metropolitana da cidade, bairros sociais. Deixa de haver Benfica, Carnaxide, Alfragide, Queluz, Massamá, Cacém, até ao limite que a Serra de Sintra com os seus belos palacetes, impõe.
Nos últimos dias, a Cova da Moura, bairro social problemático (sim!), torna-se a Amadora por inteiro. O Bairro do Zambujal (paredes meias com a Buraca e de onde tantos marchantes saem ultimamente para desfilar no 13 de junho na Avenida da Liberdade, na avenida das "lojas PARA ricos", - também ele problemático, mas onde se localizam várias instituições estatais, como o Laboratório Nacional de Energia e Geologia, a Agência Portuguesa do Ambiente e quase quase, o Estado Maior das Força Aérea), torna-se apenas Alfragide.
Já passado o estigma de "cidades dormitório", muitas delas que se desenvolveram com educação, cultura, comércio (não apenas o de vão de escada), veem-se, ou, "sentem-se", novamente, no olho do furacão. Quando se colocam todos os bairros, todas as pessoas no mesmo saco - porque para a maior parte dos comentadores políticos e não só somos apenas trabalhadores da construção civil, empregadas domésticas, do comércio a retalho, de cafés, e não licenciados, pós-graduados, doutorados, cujos preços das habitações atiram ou mantêm-nos nas mesmas localidades que nos viram crescer -, não há forma de voltar atrás.
Quando, após 1974, as políticas de receber os imigrantes vindos das ex-colónias (falamos de negros e não de "retornados") falham a toda a ordem, esperamos o quê? Quando não existe integração, quando existe ostracismo, quando existe desconfiança, pobreza, construção de bairros ilegais, esperamos o quê? Quando as escolas não fazem o seu papel vigilante às crianças que sabem estar em "risco", quando não há - porque não se quer - empenho, quando os pais dos outros alunos os proíbem de brincar, de conviver com os colegas "pretos", estamos à espera do quê? Quando temos polícias cada vez mais jovens, muitos deles vindos também de bairros sociais, de famílias destruturadas e muitos vítimas de igual violência, com acesso a armas de fogo e com sangue quente na guelra, sendo colocados, exatamente, nas esquadras destes mesmos bairros, estamos à espera do quê?
Mas o essencial seria começar a perceber, de forma mais definitiva, e sabendo que a comunicação social apresenta muita culpa nesta questão, não, os arredores não são um bairro social gigante, no qual, a partir de agora (e como vi ainda hoje na Rua Elias Garcia em Queluz), a polícia tem todo o "pequeno poder" de fazer o que quer, nomeadamente, a quem não paute pelo privilégio da cor branca da pele.
Porque além de um problema social, enraizado ao final de 50 anos, temos um problema racial, que nunca foi apagado. Tal como há 600 anos atrás se achava que éramos donos de parte do mundo e das pessoas que nele habitavam, o mesmo aconteceu há 50 anos, quando tantos ainda achavam que os negros e negras eram propriedade, eram escravos, pese a abolição em Portugal (tardia) em 1869 "em espaço controlado pelo Império Português", tal como hoje, há quem jure a pés juntos que são todos para voltar à terra deles - exato. Porque temos muitas pessoas, brancas, que estejam com vontade de acartar sacos de cimento, vigas de betão, trabalhar nas limpezas, nas estufas, e a ganhar menos que o salário mínimo. Esperem. Sim, há quem ache que os portugueses de "bem", brancos, repito!, que vivem no tal bairro social gigante, dormitório, são todos pobrezinhos, sem habilitações literárias, e que podem fazer esses serviços. Podemos. Não me cairiam os parentes na lama. Mas não foi para isso que haja quem tenha feito sacrifícios para que eu estudasse, para que outras pessoas da minha geração estudassem.
Não há porque generalizar, mas generaliza-se. E sim, tem de haver justiça, porque a descriminação existe também, demasiada até. E sim, a revolta vai num crescendo, e começa a ultrapassar as fronteiras e fossos dentro dos bairros sociais, passando para as cidades que os acolhem, entrando pelas casas de todos os quantos habitam nas cidades dormitório.
E sim, é preciso cuidado, porque a paciência de uns não é a paciência de outros, porque a escala social vai-se desgastando e perdendo, porque nem todos podemos morar, como tanto tenho ouvido, em Campo de Ourique, ou no Parque das Nações, ou em condomínios fechados. Todos somos pessoas reais, todos pagamos impostos, podendo ser utilizadores de transportes públicos, cada vez mais insustentáveis e com uma péssima gestão, ou de veículos automóvel privados e individuais. Por isso não, não pensem que tudo é bairro social, porque o próprio conceito, se estivéssemos num mundo ideal, correto, justo, nem deveria existir,
Pobres daqueles que vivem em unicórnios dourados e que não sabem NADA da vida além das suas bolhas de proteção.
Tuesday, October 08, 2024
Tenho este título guardado em formato rascunho desde julho. Na realidade nem me consigo lembrar da razão para tal nome, mas presumo que esteja relacionado com a quantidade de informação visual que me teria passado pelos olhos até então. De notícias de guerra, cenários de horror que, inicialmente justificáveis, ao final de 1 ano, de anos, não se podem já assim considerar. De livros, alguns que se revelam tão distópicos, mas que de tanta realidade são feitos. Designados de forma abjeta por romances, mas com aquela realidade poética, das que nos entram pela casa dentro, pela vivência dos dias. Gosto do realismo da vida - e mesmo que seja em forma de livro.
Ah, mas assim tu não vives! - Quem disse?
Contudo, é sério quererem mesmo que se viva este mundo em convulsão constante, qual vulcão sempre prestes a explodir em escoadas que não serão básicas, mas sim ácidas, com nuvens piroclásticas que nos deixarão, a todos, com os corpos fossilizados de Pompeia?
Talvez a descrição seja exagerada - mas quando hoje, uma vez mais, se constata que o futuro da liberdade de expressão na comunicação social (e não apenas), poderá estar ameaçado, ou quando a escalada de notícias falsas começa a ser um ataque direto ao conhecimento científico, a sensação que tenho é de uma profunda regressão, um retrocesso à idade média. Só nos falta deixar de tomar banho para que seja praticamente idêntico.
Claro que muitos irão ler isto, alguns, já me o disseram, chamar-me-ão de preconceituosa ao ter uma ideia preconcebida dos preconceitos dos outros (lá está, a minha experiência é o que é, e como tal, é naquilo que valido a minha opinião e consideração dos demais), outros de "privilegiada branca, da esquerdalha radical". Confesso que esta expressão/adjetivo é algo que me deixa .... é isso, que me deixa. Porque embora, claramente, me aproxime de uma ideologia de liberdade, de manifestação de opinião, de inclusão social, radical não sou certamente - até porque radicalismos, expliquei em tempos num vídeo, tanto servem interesses de esquerda como direita. Não há diferença alguma entre a Venezuela e a China, ou a Rússia, ou a Argentina, ou o que virá a acontecer a vários países dentro da região europeia.
Assim sendo, pergunto, continua a ser verdade que eu não viva? Não, esperem, eu não vivo é conforme o que os outros gostariam que eu vivesse - que fosse mais obediente, mais calada (ou menos histérica), que fosse mais caseira (e, preferencialmente com a vida "organizada" aka, casada e com filhos, porque aos 40 anos, já vou para um útero seco e encarquilhado). Mas infelizmente, para esses e essas, o corpo é meu, as escolhas, várias, são minhas também.
E por falar em escolhas, falemos em "tempos". Timings. Aqueles momentos em que poderíamos ou podemos, aproveitar, para fazer, para atuar, para falar, para estarmos calados. Aquele preciso segundo ou minuto, que podemos mudar (quase) tudo. Como no anúncio. Primeiro, saberemos identificá-los? Eu confesso que para coisas "banais" não me custa reconhecer, já para aquelas situações laborais, do "espera antes de falar, pensa antes de responder", definitivamente não. Ou melhor, finjo não saber.
É tão desafiante como ser-se primeiro-ministro nos dias que correm. Ou tentar entender o que determinados partidos pretendem. Ou estar à espera de ficar desempregada porque existirão fusões e outras conjugações (reformulações, acabo de ver/escutar) numa área que ninguém compreende para que serve, ou gosta - energia e recursos geológicos, e como tal, vamos lá reduzir estas despesas extra, começando pelos recibos verdes, verdadeiros ou falsos, oops, estou a lamentar-me e não deveria.
Uma mulher não chora, nem tem dor no parto, quanto mais queixar-se do mundo laboral. Errata: um jovem, um homem, uma mulher, uma jovem, não podem fazê-lo. Numa época em que a saúde mental é tão importante, pede-se cada vez mais, profissionais que, na verdade, tenham mais do que uma licenciatura, mestrado e doutoramento, que seja multifacetado. Sejam então aptos e tenham a possibilidade de trabalhar por 3, ganhando menos do que 1 ganharia. E estejam sempre disponíveis. S E M P R E! Mas uma mulher, não. Não somos tão feministas? Não temos então a força necessária para a resiliência e a capacidade de tratar de vários temas ao mesmo tempo? Sermos mães dos filhos das nossas sogras e mães dos filhos dos filhos das nossas sogras? Capacidade de trabalhar e sermos CEO's, ao mesmo tempo que fazemos as listas de supermercado e pensamos no jantar da noite e almoço para o dia seguinte? Capacidade de estarmos em reuniões, e receber mensagens a explicar como estão os nossos pais, que nos pedem igual atenção? E ainda nos queixamos? Não pode. E se fores a um médico? Uma ajuda psicológica? A sério que ainda tens tempo para ir falar ao divã? Sejas rapaz ou rapariga, com o peso óbvio que cada género atualmente acarreta - menino com o peso do macho alfa, o rapaz da família, aquele que dará continuação à espécie e ao apelido paterno, patriarcado enraizado e masculinidade tóxica, menina com o peso da fêmea frágil, a continuidade da espécie HUMANA (não tanto familiar), a que será mulher e mulher de alguém, antes que se corrija para o "esposa", a dona de casa, a MÃE. Os valores tradicionais rotulados num azul e num cor de rosa, que sim, continuam a ser usados.
E lá vem a ladainha "woke". A da radical de esquerda, certamente amantizada com algum bloquista (ou alguma), aquela que merecia ser violada por um estrangeiro qualquer (isto ameaçado por portugueses brancos, adoradores do tempo em que as mulheres eram rainhas da cozinha, via rede social).
E sim, estamos, com isto, em realidades absurdas, onde as cidades vão perdendo os seus habitantes, sendo substituídos por turistas e nómadas digitais, onde o ódio que se vive atrás de écrans, mas também no dia a dia, a falta de paciência absoluta, de empatia, de respeito, de educação, de entendimento que à escala geopolítica algumas coisas não podem ser tidas como branco ou preto, muito menos quando (não se quer) conhecer a História. Realidade absurdas que poderiam parecer em tempos idos distopias, onde máquinas já fazem o trabalho de pensar pelos humanos, que não querem pegar em enciclopédias, em aprender, em acreditar no que já se esqueceram ter aprendido na escola, preferindo acreditar em meia dúzia de criaturas que acham saber mais do que os outros, quando nunca estudaram nada sobre os assuntos. Contra vacinas, contra tremores de terra, contra ciclones, contra escassez de água, contra incêndios, contra alterações climáticas .... contra a Natureza que um dia faz de conta que está contra a Humanidade.
Saturday, March 23, 2024