Cláudia Paiva Silva

Sunday, December 14, 2025

luz e sombra
December 14, 20250 Comments




Nunca, ninguém, me irá conseguir explicar porque é que algumas pessoas permanecem coladas à nossa pele, à nossa mente, mesmo quando sabemos que não fazem (nem nunca fizeram, na realidade) parte da nossa vida. 
Nem nunca, ninguém, me irá consegui fazer entender porque é que, volta e meia, lá vêm novamente dar à nossa costa mental, como se as tivéssemos visto pela primeira vez, mesmo sabendo de tudo o que veio a seguir. 
Dizem que é feitio (do lado delas) e que é paranóia (claro, sempre, do nosso lado). Mas desculpem os mais "eloquentes" na matéria (que nunca o são!) - sabemos bem que nem todas as pessoas são iguais, e nem todas se conseguem tatuar em nós. Não é sequer porque quiséssemos que isso pudesse acontecer ou não, mas porque elas também sabem como marcar. Para o melhor e pior.

E será que isto quer dizer que, no fundo, apesar dos avisos e alertas, de todas as "bandeiras vermelhas", da "prova dos factos", somos masoquistas? Gostamos de - não diria sofrer, mas sim, moer novamente os porquês? Ou simplesmente, passados uns tempos, queremos apenas relembrar os melhores momentos? E quiçá, um dia, até nos possamos rir (ou sorrir, vá), com a situação. 

Não sei. Mas sei que há momentos que não se explicam - pessoas que não se explicam - situações que não se explicam. Mas que aconteçam por alguma qualquer razão. Essa sim, que só nós havemos de inteiramente compreender um dia. Luz e Sombra. Em equilíbrio. Talvez, finalmente. 

 

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Sunday, December 07, 2025

... insondáveis personas
December 07, 20251 Comments


É difícil (para mim) largar um determinado tema ou assunto quando me toca, quando é bem exposto, melhor argumentado. 
E de repente, qual amálgama de coisas, temos várias sensações e lembranças e detalhes a serem colocados, novamente à luz dos nossos dias. Dos meus dias. Porque as histórias dos outros, em papel, acabam por se revelar as nossas experiências e memórias. Nem sempre bonitas. 
Terminei há dois dias o "Melhor Não Contar" (Elsinore) de Tatiana Salem Levy. Tal como já referido, um texto autobiográfico, cru e sensível, escrito de uma forma tão imensamente pessoal que revela o quanto de mágoa e dor existe por, 1º, ter sido vítima de assédio ao longo de toda uma pré-adolescência e durante a mesma, em pleno, 2º, por uma questão de respeito, de AMOR, nunca o ter revelado à mãe, e, pior, ter sempre sido aconselhada que era "melhor não contar".
E existem passagens, várias, que mexeram e mexerão com quem foi igualmente vítima de qualquer assédio ou abuso físico, psicológico ou sexual - principalmente se o leitor for uma mulher.
Ao longo das páginas existe uma pergunta que salta à vista: quantas vezes uma mulher se torna mulher ao longo da vida? Será da primeira vez que vemos o nosso corpo mudar? Será na menarca? Ou será quando sentimos, pela primeira vez, o olhar menos "próprio" de um homem (geralmente mais velho, geralmente com aquele aspeto e idade de ser nosso pai, tio, amigo dos nossos pais, da família). Será que é quando sentimos pela primeira vez algo semelhante com tesão e excitação? Ou será que é quando nos sentimos culpadas, envergonhadas por todas essas situações? Teremos certamente feito algo errado para que nos olhem dessa forma, para que nos toquem de certo jeito. Será a roupa que vestimos, antes de sequer termos 10 anos? Será que são os pequenos seios que começam a despontar? Será que é o ganho de consciência (no caso, de alerta) que as outras mulheres nos coloca em cima, exatamente para alertar que "tudo pode mudar" do nada?
Tenho quase 42 anos, e só no último ano e meio tenho ganho a coragem de partilhar com mais gente - homens e mulheres, mas sobretudo homens, que aos 8 anos um vizinho me susurrou coisas ao ouvido que escuto até ao dia de hoje. 
Tal como no livro de Tatiana se fala em detalhes (ela lembra TODOS OS DETALHES que precederam e procederam o assédio do padrasto), acho que todas (e todos) nós, vítimas de abuso, sabemos exatamente o que aconteceu antes, durante e depois - não é algo que se esconda na nossa mente (a não ser que o trauma seja brutal), e se sei que estava na farmácia X e que tinha uma saia vermelha de bombazine (aos 8 anos!!!) é porque os detalhes importam, acontecem e tornam tudo real. Tudo FOI real.
Depois, os anos passam e temos várias formas de lidar com o sucedido. Podemos repulsar, podemos levar a nossa vida de forma natural, ou o mais normal possível. Podemos partilhar, podemos contar.
E, sabendo que a maioria das pessoas prefere não saber, prefere não ser parte do trauma, da história, como se isso, de forma imbecil, aliás, os tornasse testemunhas de algo que não vivenciaram (e os homens têm um elevado narcisismo sobre isso - querem sonhar que são sempre os primeiros a nos desflorarem), quando nos exmpressamos levamos com a tal pergunta do: "para quê tanta exposição"? Porque é importante mostrar que podemos ser a pessoa mais "normal" do mundo e aos 8 anos de idade somos vítimas de palavras ao ouvido que sabemos que não estão corretas e sabemos disso. 
O instinto de sobrevivência alerta-nos sempre para quando algo está errado.
Tal como nos alerta para os diferentes equívocos ao longo da vida - e sim, porque temos todo o direito ao flirt, à brincadeira não-tão-inocente e que é tão saudável, mas que pode, claro, levar a outros subentendidos. Há que ter a sorte de termos homens, a sério, à nossa frente que entendem o nosso NÃO. Que o ouvem. Ou que o entendem também. 
Por isso, quando escuto pessoas a dizerem que quando chegam a casa a última coisa que querem ouvir ou debater, são os números de violações ou de violência doméstica ou contra as mulheres, eu apenas respondo: a maioria das mulheres apenas quer chegar a casa. 
E isto associa-se, estranhamente também à questão do que se quer para a vida, adulta. Hoje em dia, como escreveu Isabel Saldanha no seu blogue as relações já não são as mesmas que na época dos nossos pais ou avós - presos entre a expectativa e todas as burocracias associadas, um relacionamento torna-se moderno, e talvez não queiramos já as mesmas coisas. E dentro dessa modernidade impera, e ainda bem, a independência (feminina) que tantos temem. "Vais ficar para tia" "Quem vai tratar de ti no futuro" "Não sentes falta de ninguém" - falta de quê mesmo? Problemas, crises de ciúmes, ter a obrigação de estar sempre disponível, almoços de família (que muitas vezes nem gosta de nós?). Citando "Uns agarram-se à solidão como escolha. Outros agarram-se à relação como tábua de salvação" - e com isto cometendo erros sem precedentes -, "E muitos vagueiam no buffet das aplicações, onde ABUNDÂNCIA NÃO SIGNIFCA INTIMIDADE e onde DESLIZE NÃO SIGNIFICA DISPONIBILIDADE". 
E é isto - é exatamente ISTO - para uma Mulher, brincar, flirtar, "be one of the boys" poderá ter consequências inacreditáves, porque por muito que sejamos abertos, modernos, versão beta e zeta, a nossa génese e ADN continuam a ver o filme tradicional. Onde nos tornamos disponíveis e onde barreiras se diluem porque "deste a entender". Acreditem, quando queremos (todos nós) haverá sinais. E é importante saber ler qual é o limite. 
Mas não nos peçam para calar, para não partilhar, para não mostrarmos como somos, quais os nossos traumas, o que gostamos ou deixamos de gostar. Somos assim, eu SOU ASSIM. Como se diz "é aceitar". 

 

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Sunday, November 30, 2025

propósitos de escrita
November 30, 20250 Comments


Dizem que estou sempre a escrever, sempre ocupada a ocupar a minha cabeça com ocupações, nem sempre entendíveis, aos outros, claro.
Dentro das ocupações a escrita, a escrita para o trabalho, a escrita para os estudos, a escrita para o blogue, a escrita para cenas do dia-a-dia. E para essa redação intensiva, a leitura, de livros, documentos, artigos - Para quê? Porque perdes tempo? Porque não estás mais diponível quando "precisamos que estejas presente, mentalmente disponível para nós, para mim!" "Larga isso. Isso são as tuas desculpas para não aceitares que precisas de alguém que te preencha esses vazios. Ou melhor, o que precisas é de ocupar a cabeça com os nossos (meus) problemas - tentar resolvê-los, ajudar-nos(-me). Nós (eu) é que precisamos de ti, não és tu que precisas seja do que for".

Derivei. Peço desculpa.

O objetivo, hoje, é falar sobre o papel da escrita, da história, das fontes usadas: manuscritas e orais. Saber até que ponto o acrescentar um ponto, ao conto, altera de forma irrecuperável, a veracidade do que aconteceu. Ou enviesa quem lê. 

Na formação que estou a realizar, uma das disciplinas fala sobre a Contribuição da História Local no Turismo. A ideia será fazer um trabalho final no qual mostremos um caso já conhecido, se quisermos, e mostrar como a história (a sua história) poderá tornar-se um objeto com potencial turístico. 
Contudo, até lá chegarmos (e, nos entretantos, eu já sei o exemplo que quero usar), consideramos a leitura de artigos que nos permitam refletir sobre o papel da comunicação, da criação e utilização da história local, da sua importância, até mesmo para a construção da História (Nacional), propriamente. De alguns dos seus episódios. Pelo menos.

De forma coincidente - se bem que, pode não ser uma coincidência, mas sim uma interpretação pessoal, dois livros que estou atualmente a ler, "Melhor Não Contar" de Tatiana Salem Levy (Elsinore, 2025) e "Recordar 1755" (Quetzal, 2025) de André Canhoto Costa, refletem, cada um à sua forma, e no seu contexto particular, a mesma complexidade. 
Até que ponto serão os registos autobiográficos, orais e manuscritos a vertente real da história - principalmente no que toca, por exemplo, a casos de abuso sexual ou violência doméstica (feminina ou masculina, não interessa). Ou, serão os estudos analíticos e exatos da Ciência, mais fiáveis do que a história oral, também passada a papel, por todos aqueles que assistiram e sobreviveram a um dos maiores eventos naturais (tornados catástrofre pelo impacto à escala humana) que Portugal (e a Europa) conhece da idade medieval?

Outra questão que se levantaria - até que ponto a palavra escrita de uma mulher vale tanto como a de um homem? Nós, que, como bem levantado por Tatiana, sempre fomos ensinadas a escrever para dentro. A sentir, sim, para dentro, "é melhor não contar. Para quê a exposição? O que ganhas com isso? Tens noção que ninguém vai acreditar? Porque as mulheres exageram? Enfabulam muito?".
"Escrever é complicar as coisas" pode-se ler na página 125 da autoria luso-brasileira. Daí escrevermos diários desde jovenzinhas. Livros de detalhes quotidianos, não diferentes dos blogues, por acaso, muito de menina, de menina-mulher, que não devem ser revelados, por conterem a nossa essencia e intimidade - mas são essas mesmas pessoas, que geralmente nos dizem que devemos escrever para dentro, que nos querem ver nuas (nus) por fora. Qual voyeur que cheira preversão à distância, que se sacia com as "revelações dos outros", que se satisfaz a ler aquilo que, para quem escreve, é uma dualidade de sensações e sentimentos. Ou uma culpabilização atroz - terei provocado aquela pessoa propositadamente? Terei flirtado? E porque é que alguém me enoja na mesma proporção que o outro/a, nos deixam um vislumbre de expectativa? 

Mas na verdade, o contar a história, carece de maior cuidado. Na escrita, na linguagem, naquilo que se quer ou não contar, expor, partilhar? Será que o escritor procura partilhar a sua visão ou a visão dos outros? 
O que é muito diferente do que contar uma outra história, o escrever um romance. Mas também nesse campo vemos subtis diferenças. Ou, por oposto, grandes vazios intelectuais. Por vezes a história melhor escrita e contada, é aquela que, até certo ponto, se conhece, se ouviu, se viu e se viveu. Mesmo que ficcionada, mesmo que embrulhada em personagens catatónicos - a verdade é que se sente a sensibilidade latente. Coisa que quando estamos apenas a olhar papéis, a relatar acontecimentos, eventos, padrões, números, não vamos nunca acresentar - rápidos e sucintos. "Despacha-te com isso - estás a expor-te demasiado, estás a escrever demasiado, estás a revelar demasiado - o que pretendes com isso? Provocar? Chamar a atenção? Tens-me a mim para te ocupares." 

A bem da veracidade dos relatos históricos, geralmente em monografias, principalmente a partir do século XVIII, os seus autores, mais ou menos ilustres, mais ou menos conhecidos, eram homens. As mulheres, a sê-lo, usavam pseudónimos masculinos.
Também por ser verdade que às mulheres era interdita a alfabetização (só em círculos restritos e em determinadas elites poderia haver uma variação à norma social). Mas a verdade é que a "História tende a engrandecer os homens e a diminuir as mulheres", colocando-as como objetos de boa escolha e eleição por grandes líderes. Para amparar, para anuir, para incentivar, muitas vezes abdicando das suas vontades e escritos, em prol do bem maior. Não, não se chama altruísmo, mas sim uma total autodesconsideração, desamor. 

E sim, ainda ao dia de hoje, os propósitos de escrita são vistos de forma distinta. É dada maior relevância, agora, a quem grita mais alto - e numa época de desinformação, de influência política, de politicamente correto, correntes "wokista" e o seu contrário, a nossa História passada, também corre o risco de ser negada, e isso torna tudo extremanente perigoso. 

"Já paraste? Não páras, nunca páras - olha para mim, eu é que preciso de ti, não os teus escritos que não vão mudar a vida de ninguém - mais uma coleção de caracteres e cadernos que serão lançados ao aterro das memórias no futuro. Já pensaste nisso? Como a tua/vossa escrita não vale nada?" "Agora coloca-te disponível, mas apenas para mim". 

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Thursday, November 27, 2025

do infinito até aqui
November 27, 20250 Comments



Chegando a dezembro parece impossível não observar dois fenómenos: o primeiro, a rápida passagem do tempo. Esse, do calendário. O segundo, a força inexorável que nos obriga, a partir de determinada altura na vida, por diversas razões, quanto mais não seja, maturidade, olhar para trás e fazer um balanço do que foi, preparando-nos para o salto futuro do que há-de ser. 

E se por muito que possamos cair em tentação de pensar que não faz qualquer diferença, que é um dia de cada vez (e sim, essa forma de ver a "coisa" é muito apetecível e dá jeito em determinadas circunstâncias), a verdade é que teremos sempre de lidar com as consequências das decisões e ações, palavras escritas e orais. Ainda mais hoje em dia, quando tudo parece ficar guardado a eterna "nuvem" invisível que é a "rede global alargada". 

Ainda que não entre em detalhes, sei que 2025 foi um ano extraordinário. Em todos os sentidos. De trabalho ao pessoal. E não porque tenha sido pautado com inúmeros êxitos, mas sim por variadíssimas situações que me trouxeram ao dia de hoje. A este mesmo presente com que vos escrevo e que, garanto, me preencheram grandemente. Para o melhor e pior. 

Mais ainda, se me dissessem há precisamente um ano o que "dali a um ano" iria acontecer, diria que "não, jamais, é impossível". E, o que sei, é que em 2026, daqui a um mês e uns dias, mais uma volta a minha vida irá dar, mais um novo caminho, a juntar aos outros todos. 

E quanto às pessoas que me acompanham ou acompanharam, só posso dizer que existem algumas palavras que glorificam os últimos, quase 365 dias: ensinamento e espanto. Pelo menos por agora. E ambas resultam, exatamente, com o mesmo propósito da tradicional "gratidão", para o positivo e negativo, para os momentos desafiantes e para os mais virtuosos. Sem dúvida que foi mais um carrossel neste caos de ideias que sempre me identificou enquanto pessoa e, enquanto mulher. 

Contudo, algo ganho com cada vez maior clarividência: o que quero e quem quero perto de mim, ao meu redor, na minha vida. E se corto, é porque sei que não me faz bem, não me acrescenta, mas sim tira força, energia, vida. Não quero mais isso para mim. Não quero ser aquela de quem os outro dependem, a que está sempre disponível a dar, mas sem nunca receber. Há coisas que cada vez mais vão mudando. E essa é uma delas. 

Não faço resoluções - já percebi que a vida é feita de muitas surpresas e, mesmo que o universo conspire a nosso favor, somos nós a força motriz para que algo aconteça de real. Somos a nossa própria força. E isso, em mim, passa pelo poder da Palavra. Não serei, igualmente, a recatada, a calada. Mesmo que não vos agrade. E, sendo demasiado simples nestas minhas frases, o que quer que não vos agrade de mim, é apenas um problema de perspetiva vosso e não um problema meu que tenho de resolver. Não somos obrigados a gostar seja de quem for, mas temos de aceitar a convivência educada. No mínimo, espera-se, espero, educação. 



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Tuesday, September 23, 2025

dores de crescimento
September 23, 20250 Comments



Achamos que a vida, às tantas, já não supreende - que já aprendemos todas as lições e não voltaremos a cair em qualquer espécie de ilusão ou engano. 

As experiências, o conhecimento, o saber lidar com crises, situações e, principalmente pessoas, fazem-nos fortes, sabedores, enfim, colocam-nos preparados para qualquer evento extraordinário que nos aconteça. Ou não será?

Nada mais errado. As dores de crescimento poderão ser sentidas até ao dia em que apagarmos a luz e fecharmos os olhos. Porque, das duas uma, ou nos encerramos ao que nos rodeia, de forma permanente, e vivemos algo semelhante a sobrevivência, sem nunca nos entregarmos realmente a nada, seja um trabalho, um hobby, a uma ou a várias relações, sejam amorososas ou de amizade, ou então vamos com tudo, entramos a pés juntos, batemos no rail de proteção e ainda assim, cá estamos para contar a história. E isso provoca dores sim. De crescimento, exato.

Nem sempre é fácil entender o porquê de algumas coisas - muito menos quando nos ultrapassam e estão fora do nosso controlo (e como todos adoramos controlar tudo, não é?). Não temos culpa das atitudes de outras pessoas, dos seus silêncios, dos seus afastamentos, do porquê nem tudo acontecer exatamente quando queremos e desejamos - sim, é realmente uma grande chatice estarmos à espera de um ordenado, por exemplo, que nunca mais chega porque houve atrasos e sim, que nos causa problemas extra, tal como acaba por nos magoar ao sentir que "se calhar" poderíamos ter evitado alguma situação que tivesse levado a outro comportamento, de outra pessoa. Não!! - por muito que as dores de crescimento existam, não podemos mesmo estar a culpabilizar-nos por nada que não nos pertença diretamente.

O processamento salarial está atrasado? Sim, mas vai-se resolver. Os outros não querem falar? Tudo bem, é um processo deles, não é nosso. 

Quantas vezes acordo com vontade de me afastar de pessoas amigas que me fazem bem? Ou quantas vezes acordo a pensar que deveria falar e desabafar com aquela pessoa, mas sei que depois vou parecer tóxica, fraca, ou penso estar a incomodar? Então como se justifica abrir-me com pessoas "estranhas ao serviço"? 

As dores de crescimento são assim necessárias para validar os nossos próprios processos internos, as nossas dúvidas ou aquelas questões que nunca foram pensadas. Servem sim, para não repetirmos padrões emocionais e de culpabilização. Mas irão sempre acontecer quando menos esperamos. 

Pois a vida é isso também - uma educação permanente. Resta apenas saber se a fazemos sozinhos ou com o apoio dos demais. Nenhum homem é uma ilha. 


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Tuesday, September 09, 2025

the small beauty of those great things
September 09, 20250 Comments

Que não se pense que estar "fora" signifique inteiramente férias. Dias longos de sol, esticados numa toalha na areia ou numa espreguiçadeira. Há quem aprenda de forma mais complexa que estar "fora" é apenas isso: estar realmente fora, fisicamente, mas com a cabeça (quase) no mesmo sítio. Focada em trabalho, nos problemas que já foram, que estão e que virão. 

Mas também é nesses momentos, em que, invariavelmente, entre uma ida ao computador e um mergulho no mar, ou apenas no estar ausente "em si", olhamos para dentro. Ou para o que nos envolve. E é nesse preciso instante em que nós, nos julgando superiores a todos os outros mortais, encarando a vida de forma respeitosa e orientada, firmes nos objetivos a cuidar dos nossos muros e barreiras de proteção, verificamos que existe uma racha. Ou pior, que alguém, do nada, que nunca conhecemos na vida, tem a infinita capacidade de derrubar tudo o que achávamos feito de concreto. 

É na pequena beleza dessas grandes coisas que verificamos que, afinal, a nossa vida não estava assim tão bem, nem tão equlibrada. Faz recordar o filme Eat, Pray, Love, quase no final, quando a personagem Liz pensa que, para se deixar levar, para ficar com o Felipe, está a destabilizar todo o progresso que fez, toda a luz que recebeu. Quando afinal o equilíbrio está em todo o lado, desde que nos mantenha sãos e felizes.

E quantas vezes isso acontece ou nos deixamos levar? A vida pede sempre mais, ou achamos que temos sempre mais que fazer, para fazer - que foi tudo um acaso, um acontecimento. Extremo sim, que nos colocou as bases em causa, sem dúvida. Mas com um propósito - vermos e sentirmos que estamos vivos, mesmo quando queremos estar longe de tudo e de todos. Mesmo quando estamos a sarar feridas e a tentar sobreviver ao terramoto. 

Mesmo quando mergulhamos de cabeça, ou sem ser, no mar. 

Não sou crente, não tenho tendências supersticiosas. Mas tudo tem uma causa-efeito. E nada, nem ninguém, aparece ou reaparece nas nossas vidas sem trazer uma lição com ela. 

E no final destas semi-não-férias, ainda a uma curta distância, tenho a certeza que alguma importância, alguns momentos tiveram. O nada e o muito juntaram-se. E de repente acabou. 

Irei aprender a lição e fazer os TPC - prometo. 

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Monday, July 21, 2025

fugir ao padrão, prova de conhecimentos e avaliação psicológica
July 21, 20250 Comments

há poucos dias fui realizar, pela primeira vez, uma prova de conhecimentos.

Para quem não sabe, é um elemento normal quando se quer trabalhar na Função Pública - responde-se a um procedimento concursal, aguarda-se pela resposta indicando se estamos ou não dentro do que é solicitado, e, caso positivo, somos chamados para a 1ª das etapas de avaliação.

Uma prova de conhecimentos geralmente resulta num teste/exame, versando os temas e tópicos que são oferecidos em lista bibliográfica (e que convém ler, minimamente, o que é pedido). Mesmo que seja, como no caso foi, sobre Geologia, esta disciplina não é apenas, como muitos continuam a pensar "rochas e calhaus e vulcões". Existem várias áreas distintas dentro da mesma.

Neste caso, além dos temas derivados aos conhecimentos específicos de Geologia (a que se pretende), temos, geralmente (e aí TODOS os concorrente à Função Pública, em qualquer situação têm de responder, alguns com, outros sem consulta) uma lista de legislação, relativamente simples e acessível, que também faz parte das questões.

espero, honestamente, que dos quase 30 (??) (eu incluída) que se deslocaram ao local, para um número de vagas superior a 1, mas bastante inferior a 10, possam ter seguido à etapa seguinte de eliminação - eram 30 questões no total, e não sendo difícil, haveria de estar atento às "rasteiras". 

Consistirá esta, numa avaliação psicológica, que, não se enganem, passa por "jogos" mentais e testes psicotécnicos. Cálculos mentais limitados de tempo, jogos de palavras, imagens e outros. Um bocado parecido como quando estávamos no secundário e tínhamos de escolher a área futura. Com a diferença - desta vez, ou "és apto" ou "não és apto" para o trabalho e, neste segundo caso, és imediatamente excluído. 

Isto tudo para? Dizer que, "ah e tal, está a fazer um concurso à função pública?" Nem por isso, até porque continuo a gostar do que faço, embora não goste das condições. E porque, que eu saiba, há já muito tempo a maioria das pessoas olha para os funcionários públicos - sem saber na verdade quem são na generalidade e o que fazem (exemplo: passem uma manhã nos corredores do Hospital de Santa Maria - TODA AQUELA GENTE, MÉDICOS, ENFERMEIROS, PESSOAL ADMINISTRATIVO, EMPREGADOS DE LIMPEZA, AUXILIARES, ANALISTAS, FARMACEUTICOS, RADIOLOGISTAS SÃO FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS -, para apenas dizer mal dos mesmos, que não fazem nada, que ganham do nosso bolso e ficam a fumar e beber cafés. Enfim, as merdas do costume. 

Na verdade isto serve para dizer que quando alguém vai trabalhar para o povo, isto é, se torna deputado, se torna ministro, primeiro-ministro, líder da oposição, ou o raio que os parta, também deveria passar por um procedimento similar àquele que eu (e as restantes almas) estamos a fazer. Porque não basta dizer que temos jeito, temos a formação e sabemos muito sobre o assunto, e, quando chegam lá, não sabem fazer nada. NADA. Ou quando vão à televisão e esbarram na questão do RSI, por exemplo, sem querer dar nomes. Há que estudar sim, caros, há até que saber se, psicologicamente, estão aptos ou não. E pelo que vejo, são poucos os que pululam a assembleia com alguma real capacidade intelectual e ética para estarem a representar o "povo" - mas como o "povo" também é cada vez mais manso e está na fase de regressão intelectual, se calhar nada já me espanta. 

Seria bom fugir ao padrão. Mas sem prova de conhecimentos e avaliação psicológica, qualquer um pode sentar-se no Parlamento ou aparecer na telinha a dizer mentiras ou asneiras. perdeu-se o brio e as vagas acabam por ficar todas preenchidas por gente que nem sabe como foi lá parar. ou melhor, sabem, sabem.


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Wednesday, May 21, 2025

new day, new rules
May 21, 20250 Comments




"Boa tarde. Sou branca e privilegiada por tal; contudo moro na região suburbana, Cacém."

"Boa tarde. Sou negra e, por conseguinte, não tenho as mesmas oportunidades laborais que as outras pessoas; contudo, moro dentro da cidade, em Campo de Ourique."

Era assim que todos os nossos currículos deveriam começar - ou era assim que muitas pessoas gostariam que as cartas de motivação e currículos começassem. Como se o nosso fenotipo ou a nossa classe social, ou localidade de morada, resumissem de forma muito mais clara aquilo que é o nosso caminho profissional, as nossas capacidades e não, nunca, uma questão de mérito ou experiência. 

Mas nada de pânico, é um dia novo e teremos, certamente, novas regras que nos irão guiar, tal como "um farol que nos ilumina a direção" (entendedores não distraídos, entenderão).

Poderia escrever hoje sobre tantas coisas: a "bola", as "canções" e a "política" - tudo o que foi o mais importante durante o fim-de-semana, que se sentiu, certamente, ainda mais pequeno para tanta emoção, revolta e reviravolta. Mas, acredito, que tudo esteja relacionado: desde Israel quase ter ganho a Eurovisão (porque não a Suiça, já que se diz tão isenta de tudo, até de países que praticam crimes contra a Humanidade - tendo estes sentido na pele o que é ser-se "eliminado" - ironias e paradoxos), aos resultados eleitorais em Portugal, que seguem a tendência da nova ordem mundial. 

Dizem alguns próximos que eu agora deveria estar mais calada, mais sossegada, não me expôr tanto (ainda por cima quando começo a figurar em alguns programas televisivos, também com temas bastante fraturantes na sociedade). Que devo evitar conflitos ou entrar em provocações - se algumas pessoas são boçais, eu não tenho de o ser - mas, questiono, tenho mesmo de me calar quando leio e escuto barbaridades baseadas em mentiras? Ou apenas em "sensações"? "Ah, há mais imigrantes, logo, há mais criminalidade", "Ah, defende-se uma religião/religiões que desprezam as mulheres, que devem ser protegidas pelos homens lusos"; protegidas de quem mesmo?? Ah pois, dos próprios homens lusos. "Vêm para aqui, alguns para trabalhar, outros para vadearem. Mas andam também a roubar os nossos empregos!", quais? aqueles que ninguém quer fazer ou gosta, porque alancar com os costados a trabalhar na terra e estufas não é para os verdadeiros subsídio-dependentes nacionais, ou como agora se diz "portugueses originários"?? Também temos a cantilena do "wokismo" - que a agenda woke é isto e aquilo e coloca em perigo as novas gerações. A sério? Eu achava que quem fazia isso eram os mesmos do costume. Tarados, pedófilos, que estão tantas vezes dentro das próprias famílias próximas, como nas escolas, na vizinhança - aquele senhor(a) que é tão simpático, que tem 2 netinhos; ou a falta de cuidado e de educação (de querer educar e estar presente) na vida dos filhos, invés de lhes colocarem aparelhos eletrónicos à frente, onde, claro, irão procurar e beber tudo o que é do mais tóxico possível, preenchendo vazios emocionais, de forma manipulada. Não. São livros que fazem a diferença, são as aulas de cidadania, ou as ações sobre sexualidade. É a distribuição gratuita de produtos de higiene feminina, de pílulas ou preservativos em contexto de boas práticas de saúde. Tudo é para terminar - tudo faz parte de uma ideologia político-partidária, e não de um conjunto de regras mínimas sociais, perante um mundo em transformação a um passo tão mais acelerado do que aquilo que eu, até eu, que me julgava jovem e desempoeirada, teria alguma vez sonhado.

Contudo, sonhei com o novo dia, das novas regras. Sabem, é que ser "woke" não é, então de agora - uma palavra que caiu no goto, logo após uma pandemia real, que colocou as pessoas ainda mais intolerantes. A exemplo, outra palavra e definição que é fortemente punida, associada a, uma vez mais, regimes políticos: feminismo. 

O movimento sufragista, entre outras ações, permitiu às mulheres o direito ao voto. Em Portugal, foi preciso o 25 de abril de 1974 para se tornar um direito pleno - e ainda hoje, há quem diga a pés juntos que "as mulheres, um dia, vão voltar a ser impedidas de votar" (grupo 1143, há poucos dias, as sua pocilga no X). Fora outras palavras tão bonitas proferidas pelo grande homem lusitano e branco que tanto gosta de ameçar com violações as... feministas, pois claro.

Se assim é, sou "woke" desde os 12 anos, quando li, ora então, um livro que falava exatamente da forma como algumas facções do médio oriente, tratavam as mulheres. Estamos a brincar certo?? Não preciso que me digam o que é correto e errado. 

Tenho 42 anos e 30 deles têm sido feitos de alertas e ativismo. Portanto, agradeço o conselho, mas não me calam.


Mas estou a derivar - poderia também escrever um texto sobre a sociologia por detrás dos eleitores da nova 2ª força política em Portugal. Não, já não são os grunhos nacionalistas (que, coitados, nem o são, porque se fossem, era para o Ergue-te e ADN que dirigiam o sufrágio), é gente formada, pensante, que anda connosco nos transportes, e senta-se conosco em jantares ou almoços de família. É malta revoltada e triste, que quer mudanças, e, no fundo, também pensa tudo o que referi acima. E embora tente compreender (já que aceitar, não aceito - e não me dói mais nem menos por isso), não consigo. Porque o boletim de voto não tinha apenas 3 partidos em coligação ou não. Tinha quase 20. E decidiram votar no mais fácil, naquele que é mais populista, naquele que mais mentiras também vai partilhando, floreando as palavras com meias-verdades, apelando ao que é mais rústico e pessoal de cada um de nós. E assim vai o circo. E somos todos palhaços e espectadores que deveriam estar preocupados com as eventuais mudanças à Constituição, as eventuais alterações aos direitos e liberdades, do coletivo e individuais. E não deve faltar muito. Porque não se quer estabilidade política alguma, enquando a 2ª força, não se tornar 1ª. E aí, acho bem que os nossos currículos comecem por descrever a nossa cor de pele, a nossa orientação sexual, o nosso género, os nossos gostos literários, televisivos, políticos. E quando isso acontecer, não chorem. Não interroguem como foi possível. Até porque nem eu acredito que alguém faça isso. Pessoas inteligentes sabem ao que vão. Parabéns a todos.

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Tuesday, April 29, 2025

dos dias longos
April 29, 20250 Comments

Há precisamente 24 horas, Portugal, Espanha e alguns outros países europeus, simplesmente, pararam. A eletricidade, a energia fundamental que o ser humano precisa para o seu dia a dia, cessou. E muitas serão, certamente, as teorias de conspiração, mais ou menos corretas, que poderão justificar o acontecimento. Contudo, algo parece ser certo - no momento em que Espanha exportava (ou transferia) energia para França e Portugal, houve um pico seguido de uma quebra - quebra essa que fez disparar todos os alarmes e sistemas disponíveis, cortando de imediado o acesso das várias redes elétricas. 

Justificações à parte - Portugal recuperou tardiamente, porque só depois viemos a verificar que, afinal, a barragem de Castelo de Bode precisou de entrar em funcionamento, bem como algumas centrais termoelétricas que estavam em modo OFF - tarde, mas recuperou. 

Embora muitos possam dar os parabéns aos excelentes técnicos nacionais e estrangeiros que "trataram" do assunto, devo dizer que, enquanto cidadã, não me sinto minimamente contente, nem feliz, nem irei afirmar que "correu tudo bem". Obviamente que a Proteção Civil, Bombeiros e outras instituições, como a PSP, GNR, INEM, etc, fizeram o que podiam, com o pouco que também tinham. Mas o governo, como de costume, falhou redondamente. 

Portugal é um país completamente impreparado para qualquer evento mais robusto que possa ocorrer de forma negativa. Os portugueses, por muitos avisos, não sabem o que é um kit de emergência, e acreditam que, mesmo o tendo, mais vale ir a correr, comprar tudo o que precisam e não precisam às grandes superfícies - quero apenas ver e saber, as toneladas de comida que serão descartadas nas próximas semanas porque, afinal, "foi um exagero". 

(Gostava de saber, também, de onde, afinal, vem o dinheiro, de que todos se queixam em NÃO ter. Para o que se viu ontem, certamente que alguma coisa deve, afinal, permanecer nas contas bancárias, porque de outra forma, e pelo preço dos alimentos, não se deve ter gasto menos de 200 euros por cada carrinho cheio.) 

Não, Portugal não está preparado, Portugal não sabe lidar, o governo, seja de que facção política for, nunca saberá orientar-se - muito menos quando falha o que é o mais essencial: luz e água à população. LUZ, no sentido transversal, no qual nem redes móveis funcionaram grande parte do dia, para grande parte das pessoas (ao contrário do que muitas aventesmas dizem). Quando ninguém sabia o que estava a acontecer e, facilmente foi, começarem as grandes histórias, desde ciberataques, ao início de uma nova grande (e diferente) guerra, a fenómenos atmosféricos. Tudo o que poderia ter sido evitado se os comunicados oficiais tivessem sido transmitidos por esse meio incrível e (para tantos) arcaico, que é a rádio. Esquecem que o 25 de abril deu-se através de senhas passadas pela rádio. Esquecem-se que nas guerras, as notícias são transmitidas via rádio. Ondas de som que atravessam o tempo e espaço, ao ponto de serem escutadas nos confins do universo que nós conhecemos. 

Mas não, Portugal nem sabe fazer as coisas de forma a evitar-se qualquer pânico. Portugal enquanto governo, Portugal enquanto populaça que assalta desalmadamente prateleiras de qualquer coisa - qualquer coisa, que lhes possa parecer essencial.

Essencial é ter a sabedoria de esperar, de não empatar a vida dos outros, de não querer tudo para si - poderíamos ter aprendido algo com a pandemia, mas não aprendemos nada - pelo contrário. Aprendeu-se a negar tudo: a pandemia, a ciência, a tecnologia. As pessoas - começámos a negar as pessoas válidas e que têm conhecimento.

Ainda assim, ontem, vimos novamente miúdos a brincar nas ruas até bem tarde, enquanto vizinhos falavam uns com os outros, possivelmente, muitos, pela primeira vez em vários anos a habitar o mesmo prédio. Mas Portugal, hoje, já se esqueceu. E a Europa, HOJE, vai continuar a consumir recursos energéticos como se não houvesse amanhã - e o irónico, é que acabámos de verificar que pode mesmo NÃO HAVER amanhã. 

Não, não estamos preparados e continuaremos incapacitados em sermos independentes, em termos uma mini soberania energética, só ela possível de se afirmar, em momentos como este (e sim, graças a alguns técnicos - que nem todos certamente são incompetentes). Não há gestão de nada. Não se sabe como fazer. E ainda assim, uma vez mais, bato palmas a todos os que conseguiram manter a ordem pública. Num dia em que tudo poderia ter corrido mal, não ouvi falar em crimes, em mortes, em acidentes. Para aqueles que afirmaram que houve o caos, que tenham provas antes de aparecerem nas televisões a grunhir. As pessoas, embora sem acessos, ainda sabem como se comportar, sejam de que nacionalidade for. E mais, a todos aqueles que, também, afirmam a desgraça da imigração - foi essa imigração que ontem safou muitas pessoas, em muitas localidades, quando os supermercados eram tomados. 

Há muito aqui em que pensar - há muita confusão aqui instalada, mas ainda bem que nestes dias longos, a luz natural se estende até mais tarde. Se isto for o fim do mundo, num mundo de privilégios, que seja em paz. 

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Monday, April 21, 2025

páscoa ou o que resta dela
April 21, 20250 Comments
Michelangelo Merisi, ou Caravaggio (Milão 1571 - Porto Ercole 1610), A Deposição de Cristo (1600-1604)

Depois de um momento a refletir o carnaval - a festa pagã, mitológica, cristã, que desprende os corpos das almas, incendiando tudo o que é devasso e travesso à vida mundana, quase a cair num fogo eterno de excessos que, mais cedo ou mais tarde, irão pautar pelo enjoo e ridículo, entra-se no momento de reflexão. Como também esclarecido. 

E é engraçado, não menos irónico e, como tal, perturbador, escrever este texto alusivo ao momento de recolhimento, de auto-pensamento, no dia em que um homem maior, tão político quanto Cristo e, por esse mesmo motivo, tão real e humano, morre. A última luz ao fundo do túnel. O único Papa que me fez percorrer parte da cidade apenas para um vislumbre, quase como uma coincidência que acredito não ter sido tão coincidente assim. Francisco. Apenas.

O universo também se move de formas misterioresas, tal como os desígnios de deus, para quem nele acredita. 

A Páscoa, o momento de ter fé, de acreditar, mais do que nada, na ressureição, ou na mudança da carne em espírito. E, não deixa de ser, igualmente paradoxal a verdade do tema: sem qualquer espécie de dúvida perante deus, como podemos nós acreditar sequer em algo? O filme Conclave tem uma passagem destas. O filme Dúvida, tem outra similar. 

Enquanto cá estamos, neste plano, nesta terra, podemos apenas esforçarmo-nos pelo melhor, pelo bem maior, pela empatia, pela sinceridade, não desejando nada em troca, embora, no fundo, todos queiramos que nos aconteça algo extraordinariamente bom. E, embora nos esqueçamos logo de seguida, que seja plausível de uma causa-efeito, ao que foi praticado. 

Num fundo todos somos crentes em algo. Na Humanidade, na Ciência, em Deuses (geralmente cometendo os piores dos crimes em seu nome). 

E eu tenho fé no Homem. Sabendo que todos os dias somos brutalmente atacados por desilusão, por negatividade, pela toxicidade que largamos aqui e ali e além. Conhecemos o bom e o mau, sabemos que existem e sabemos ter ambos dentro de nós. 

Por isso, aqui chegados, olho para trás. Sou obrigada a olhar para trás na minha vida e ver o que posso ter conquistado e olhar em frente e ver onde ainda queria chegar. Mas o importante é não estar parado, sair do lugar, ter iniciativa, ler, aprender, questionar, tudo e todos. Não somos nada. Apenas pó de estrelas, eletrões e moléculas orgânicas que alimentam um ciclo eterno. A vida eterna. 

E, quer queira ou não, estou grata pelos ganhos, nem sempre em boa hora, como quero ou desejo. O caminho faz-se caminhando. 

Que todos, todos, TODOS, encontrem o seu, mesmo nos dias mais tenebrosos que agora vivemos. 

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Sunday, March 09, 2025

não tanto amor assim
March 09, 20250 Comments


Pintura: Leo Dorfner

O testemunho de hoje chega após leituras influenciadoras. Todas elas com um ponto em comum: o amor, a paixão, o que prevalece mais, o que é mais importante no relacionamento. Terminando, não raramente e não menos de forma coincidente com: a paixão acaba rápido (não mais do que X número de meses, vá, 1 ano, "top"), mas o amor, ah, o AMOR, esse vai-se construindo ao longo de uma vida. 

O problema é quando esse amor todo vira amizade e as pessoas ficam juntas por uma questão de hábito. Vou agora sair de uma relação que dura anos, só porque já não há faísca (paixão?), ou prefiro manter-me confortável? Afinal tenho casa, estou estável e equilibrado(a) financeiramente, não há lugar a discussões. Mas poderá haver margem para um maior distanciamento, e para uma outra pessoa, uma terceira pessoa - que embora não aqueça nem arrefeça, poderá trazer o confronto da realidade que, no fundo, já se adivinhava.

Não sou especialista na matéria. Nem tão pouco tenho qualquer moral para fazer juízos de valor - apenas acho que o cerne da questão não passa pelo casal, mas sim, pelo individual. Não que acredite que as relações agora devam ser egoístas - nada disso. Mas numa situação destas, o que sentimos, por nós mesmos, deveriam contar mais. O problema é quando já não há tanto amor assim. Nem pelo outro, e, no final do dia, nem por nós. 

Haveríamos de almejar mais - faz parte do ser humano também. Outro artigo que li. A sobreviência da espécie fez-se e continua a fazer-se, com o nosso crescimento enquanto criadores, enquanto hábeis no fazer e evoluir. E isso pode ser feito a dois, claro - mas quantas vezes um quer, e o outro prefere a monotonia do espaço-temporal? Deverá alguém abdicar? Sempre ouvi dizer que no amor (e aqui esqueçam, ainda, a paixão) não é uma questão de abdicação, mas sim uma questão de adaptação, ouvir e compreender o outro, as suas necessidades e expectativas. E BANG!, outro pequeno apontamento que acho relevante: as expectativas. 

Pintura: Leo Dorfner

A maioria das relações pauta pela expectativa que temos em relação ao outro e, no fundo, em relação a nós: vestimo-nos de determinada forma para agradar, colocamos determinado perfume para agradar, passamos o tempo a pensar do que o outro(a) pensa de nós. E, principalmente, de forma errada, projetamos no outro o que gostaríamos que a nossa vida pudesse vir a ser. Vejamos, e isto acontece sempre no início de qualquer relacionamento amoroso: ainda nem sequer conhecemos a pessoa, e já estamos a imaginar uma série de coisas para um futuro que ainda nem sabemos se algum dia poderá realmente acontecer. O grau de projeção, expectativa e ansiedade tornam-se brutais, mas, graças às hormonas, apenas temos sintomas típicos de quem esteja apaixonado, embora pense em algo mais. 

Não tanto amor assim no início, mas não tanto amor assim quando as relações também se revelam, digamos, perigosas.

Falemos de paixão. Não estou de modas, paixão para mim é sexo, luxúria, desejo, provocação, sensualidade, erotismo. That's that. A paixão é definitavamente o extremo da coisa. O que nos faz ir em frente, mesmo sabendo que vamos bater no rail de proteção. E, no entanto, não vejo melhor exemplo para paixão do que aquela que está irremediavelmente associada a questões sociais, a ativismo político, também.

Uma paixão destas leva à cegueira, sem dúvida alguma - pessoas que se tornam mártires pela "causa". E isso acontece também nos relacionamentos humanos, pensemos, monogâmicos. Os relacionamentos tóxicos, sobretudo. Os relacionamentos onde pauta sempre um laivo de violência, seja psicológica, fisica, verbal. E há sempre um lado mais fraco. Fraco. Frágil. Sempre um lado que não deveria ter adjetivação, muito menos a de "vítima", ou "sobrevivente". Mas pior ainda será o de "resignado". Mulheres e homens que passam uma vida quase inteira à espera de terem um suspiro de alívio, geralmente quando o outro morre, podendo finalmente perceber o que seria terem vivido em paz. O que leva a aguentar uma situação destas? A tal adaptação que mencionei? A fé cega, talvez derivada da paixão, de que vai haver uma mudança de padrão, de comportamento? 

Pintura: Leo Dorfner


Continuo a debater-me com algumas questões que não terão resposta. Cada caso é um caso e, no momento, existe um peso social muitíssimo maior do que se julga. Quando vemos que está tudo errado e, mesmo assim, não somos nós a sair, a largar (porque existe também a ameaça velada ou direta do "não comigo, nunca contigo", algo como "se não és minha/meu, não és de mais ninguém"), que resta do amor próprio? 

Talvez seja melhor, então, estarmos sozinhos uma vida, não?, podem-me perguntar. Não penso assim, mas não tenho uma resposta ideal. Acho que há (ainda) esperança para que tudo dê certo, embora essa coisa dos finais felizes, sejam algo que dê imenso trabalho, todos os dias. E nem todos temos a oportunidade e paciência para mais uma responsabilidade dessas.

É uma responsabilidade sim. A nossa felicidade. 


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