propósitos de escrita - Cláudia Paiva Silva

Sunday, November 30, 2025

propósitos de escrita



Dizem que estou sempre a escrever, sempre ocupada a ocupar a minha cabeça com ocupações, nem sempre entendíveis, aos outros, claro.
Dentro das ocupações a escrita, a escrita para o trabalho, a escrita para os estudos, a escrita para o blogue, a escrita para cenas do dia-a-dia. E para essa redação intensiva, a leitura, de livros, documentos, artigos - Para quê? Porque perdes tempo? Porque não estás mais diponível quando "precisamos que estejas presente, mentalmente disponível para nós, para mim!" "Larga isso. Isso são as tuas desculpas para não aceitares que precisas de alguém que te preencha esses vazios. Ou melhor, o que precisas é de ocupar a cabeça com os nossos (meus) problemas - tentar resolvê-los, ajudar-nos(-me). Nós (eu) é que precisamos de ti, não és tu que precisas seja do que for".

Derivei. Peço desculpa.

O objetivo, hoje, é falar sobre o papel da escrita, da história, das fontes usadas: manuscritas e orais. Saber até que ponto o acrescentar um ponto, ao conto, altera de forma irrecuperável, a veracidade do que aconteceu. Ou enviesa quem lê. 

Na formação que estou a realizar, uma das disciplinas fala sobre a Contribuição da História Local no Turismo. A ideia será fazer um trabalho final no qual mostremos um caso já conhecido, se quisermos, e mostrar como a história (a sua história) poderá tornar-se um objeto com potencial turístico. 
Contudo, até lá chegarmos (e, nos entretantos, eu já sei o exemplo que quero usar), consideramos a leitura de artigos que nos permitam refletir sobre o papel da comunicação, da criação e utilização da história local, da sua importância, até mesmo para a construção da História (Nacional), propriamente. De alguns dos seus episódios. Pelo menos.

De forma coincidente - se bem que, pode não ser uma coincidência, mas sim uma interpretação pessoal, dois livros que estou atualmente a ler, "Melhor Não Contar" de Tatiana Salem Levy (Elsinore, 2025) e "Recordar 1755" (Quetzal, 2025) de André Canhoto Costa, refletem, cada um à sua forma, e no seu contexto particular, a mesma complexidade. 
Até que ponto serão os registos autobiográficos, orais e manuscritos a vertente real da história - principalmente no que toca, por exemplo, a casos de abuso sexual ou violência doméstica (feminina ou masculina, não interessa). Ou, serão os estudos analíticos e exatos da Ciência, mais fiáveis do que a história oral, também passada a papel, por todos aqueles que assistiram e sobreviveram a um dos maiores eventos naturais (tornados catástrofre pelo impacto à escala humana) que Portugal (e a Europa) conhece da idade medieval?

Outra questão que se levantaria - até que ponto a palavra escrita de uma mulher vale tanto como a de um homem? Nós, que, como bem levantado por Tatiana, sempre fomos ensinadas a escrever para dentro. A sentir, sim, para dentro, "é melhor não contar. Para quê a exposição? O que ganhas com isso? Tens noção que ninguém vai acreditar? Porque as mulheres exageram? Enfabulam muito?".
"Escrever é complicar as coisas" pode-se ler na página 125 da autoria luso-brasileira. Daí escrevermos diários desde jovenzinhas. Livros de detalhes quotidianos, não diferentes dos blogues, por acaso, muito de menina, de menina-mulher, que não devem ser revelados, por conterem a nossa essencia e intimidade - mas são essas mesmas pessoas, que geralmente nos dizem que devemos escrever para dentro, que nos querem ver nuas (nus) por fora. Qual voyeur que cheira preversão à distância, que se sacia com as "revelações dos outros", que se satisfaz a ler aquilo que, para quem escreve, é uma dualidade de sensações e sentimentos. Ou uma culpabilização atroz - terei provocado aquela pessoa propositadamente? Terei flirtado? E porque é que alguém me enoja na mesma proporção que o outro/a, nos deixam um vislumbre de expectativa? 

Mas na verdade, o contar a história, carece de maior cuidado. Na escrita, na linguagem, naquilo que se quer ou não contar, expor, partilhar? Será que o escritor procura partilhar a sua visão ou a visão dos outros? 
O que é muito diferente do que contar uma outra história, o escrever um romance. Mas também nesse campo vemos subtis diferenças. Ou, por oposto, grandes vazios intelectuais. Por vezes a história melhor escrita e contada, é aquela que, até certo ponto, se conhece, se ouviu, se viu e se viveu. Mesmo que ficcionada, mesmo que embrulhada em personagens catatónicos - a verdade é que se sente a sensibilidade latente. Coisa que quando estamos apenas a olhar papéis, a relatar acontecimentos, eventos, padrões, números, não vamos nunca acresentar - rápidos e sucintos. "Despacha-te com isso - estás a expor-te demasiado, estás a escrever demasiado, estás a revelar demasiado - o que pretendes com isso? Provocar? Chamar a atenção? Tens-me a mim para te ocupares." 

A bem da veracidade dos relatos históricos, geralmente em monografias, principalmente a partir do século XVIII, os seus autores, mais ou menos ilustres, mais ou menos conhecidos, eram homens. As mulheres, a sê-lo, usavam pseudónimos masculinos.
Também por ser verdade que às mulheres era interdita a alfabetização (só em círculos restritos e em determinadas elites poderia haver uma variação à norma social). Mas a verdade é que a "História tende a engrandecer os homens e a diminuir as mulheres", colocando-as como objetos de boa escolha e eleição por grandes líderes. Para amparar, para anuir, para incentivar, muitas vezes abdicando das suas vontades e escritos, em prol do bem maior. Não, não se chama altruísmo, mas sim uma total autodesconsideração, desamor. 

E sim, ainda ao dia de hoje, os propósitos de escrita são vistos de forma distinta. É dada maior relevância, agora, a quem grita mais alto - e numa época de desinformação, de influência política, de politicamente correto, correntes "wokista" e o seu contrário, a nossa História passada, também corre o risco de ser negada, e isso torna tudo extremanente perigoso. 

"Já paraste? Não páras, nunca páras - olha para mim, eu é que preciso de ti, não os teus escritos que não vão mudar a vida de ninguém - mais uma coleção de caracteres e cadernos que serão lançados ao aterro das memórias no futuro. Já pensaste nisso? Como a tua/vossa escrita não vale nada?" "Agora coloca-te disponível, mas apenas para mim". 

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