páscoa ou o que resta dela - Cláudia Paiva Silva

Monday, April 21, 2025

páscoa ou o que resta dela

Michelangelo Merisi, ou Caravaggio (Milão 1571 - Porto Ercole 1610), A Deposição de Cristo (1600-1604)

Depois de um momento a refletir o carnaval - a festa pagã, mitológica, cristã, que desprende os corpos das almas, incendiando tudo o que é devasso e travesso à vida mundana, quase a cair num fogo eterno de excessos que, mais cedo ou mais tarde, irão pautar pelo enjoo e ridículo, entra-se no momento de reflexão. Como também esclarecido. 

E é engraçado, não menos irónico e, como tal, perturbador, escrever este texto alusivo ao momento de recolhimento, de auto-pensamento, no dia em que um homem maior, tão político quanto Cristo e, por esse mesmo motivo, tão real e humano, morre. A última luz ao fundo do túnel. O único Papa que me fez percorrer parte da cidade apenas para um vislumbre, quase como uma coincidência que acredito não ter sido tão coincidente assim. Francisco. Apenas.

O universo também se move de formas misterioresas, tal como os desígnios de deus, para quem nele acredita. 

A Páscoa, o momento de ter fé, de acreditar, mais do que nada, na ressureição, ou na mudança da carne em espírito. E, não deixa de ser, igualmente paradoxal a verdade do tema: sem qualquer espécie de dúvida perante deus, como podemos nós acreditar sequer em algo? O filme Conclave tem uma passagem destas. O filme Dúvida, tem outra similar. 

Enquanto cá estamos, neste plano, nesta terra, podemos apenas esforçarmo-nos pelo melhor, pelo bem maior, pela empatia, pela sinceridade, não desejando nada em troca, embora, no fundo, todos queiramos que nos aconteça algo extraordinariamente bom. E, embora nos esqueçamos logo de seguida, que seja plausível de uma causa-efeito, ao que foi praticado. 

Num fundo todos somos crentes em algo. Na Humanidade, na Ciência, em Deuses (geralmente cometendo os piores dos crimes em seu nome). 

E eu tenho fé no Homem. Sabendo que todos os dias somos brutalmente atacados por desilusão, por negatividade, pela toxicidade que largamos aqui e ali e além. Conhecemos o bom e o mau, sabemos que existem e sabemos ter ambos dentro de nós. 

Por isso, aqui chegados, olho para trás. Sou obrigada a olhar para trás na minha vida e ver o que posso ter conquistado e olhar em frente e ver onde ainda queria chegar. Mas o importante é não estar parado, sair do lugar, ter iniciativa, ler, aprender, questionar, tudo e todos. Não somos nada. Apenas pó de estrelas, eletrões e moléculas orgânicas que alimentam um ciclo eterno. A vida eterna. 

E, quer queira ou não, estou grata pelos ganhos, nem sempre em boa hora, como quero ou desejo. O caminho faz-se caminhando. 

Que todos, todos, TODOS, encontrem o seu, mesmo nos dias mais tenebrosos que agora vivemos. 

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