Sobre Angélico, sobre o acidente, sobre tudo o que tenho ouvido e lido, sobre a sociedade - Cláudia Paiva Silva

Wednesday, June 29, 2011

Sobre Angélico, sobre o acidente, sobre tudo o que tenho ouvido e lido, sobre a sociedade

Como podem reparar tenho vindo a escrever menos no blog (e para os que me acompanham no Facebook, também). Contudo, estava somente à espera do desfecho já previsível do último caso mediático nacional. "Finalmente" lêem-se nos escaparates "Angélico Vieira morreu". E escrevo "finalmente" porque, pessoalmente, acho um absurdo todo o circo que foi feito devido ao seu acidente. Bem sei que era uma figura pública, bem sei que (pelos vistos), era uma excelente criatura. Tinha apenas 28 anos (eu tenho 27, logo...). Era bonito, inteligente. E é exactamente por isso que, por um lado, o lado consciente, a sua morte não me afecta, não me choca. Era um adulto conhecedor das regras da estrada. Era um indivíduo como tantos outros milhares que sabia apertar um cinto de segurança. Ele e os outros que com ele seguiam e não o fizeram de igual forma. O resultado é o que se vê. Ele morreu, o amigo morreu (amigo esse, aproveito para dizer, colega meu da Faculdade de Ciências no curso de Eng. Informática), a amiga, pelos vistos, vai pelo mesmo caminho, sendo que a única não-fatalidade se prende num 4º ocupante do automóvel que, vejam a ironia, era quem levava o cinto colocado.
Vamos agora para a parte emocional: o Angélico não me dizia grande coisa. Como nunca vi os Morangos com Açúcar (e podia tê-lo feito exactamente na época em que ele e muitos outros começaram, porque somos todos da mesma idade), nem alguma vez escutei as bandas produzidas, geradas, promovidas pela TVI, não sabia muito sobre ele, sequer. Vi-o em duas novelas e pouco mais. Não o achava sequer engraçado e pensei sempre que ele ainda teria muito que aprender, ao contrário da Rita Pereira, a ex-namorada, que tem realmente jeito para a coisa. Contudo sei que ele era extremamente simpático, simples, humilde... tinha sempre palavras de carinho e afecto para as fãs (e sem fãs, meus amigos, não se fazem "estrelas de sucesso"), gostava da família, não se metia em confusões, nem em drogas, nem em álcool (ao contrário dos muitos comentários que tenho lido - mas já lá vamos); em todos esses aspectos era, simplesmente e pacatamente um rapaz jovem, como tantos outros, que entram nas novelas, que rapidamente se tornam conhecidos de um público alvo, que são expostos à pseudo-fama que isso lhe aufere. Nesse aspecto, saber a morte dele, foi sim, um choque. Um rapaz que tinha grandes ideias, grandes projectos para a sua vida e, que de uma forma brutal (como são todas as que ocorrem dentro da mesma medida e contexto) já não existe. Lamento muito pela família, pelos pais, pelos amigos, pelas ex-namoradas, por todas aquelas que o aspiravam a ser, pelos outros tantos fãs que o considerariam família. A esses a dor, o choque, ninguém os tira... nem tão rapidamente e... nem nunca, para quê inventar?
Agora o acidente: carro novo, BMW de alta cilindrada, (ainda não se sabe a velocidade a que ele iria, mas numa auto-estrada é natural que fosse a bem mais de 110km/h), sem seguro e de "um amigo". Sabemos lá nós, quando vamos comprar um automóvel, quem já andou nele, quantas voltas é que ele já deu, em que estado estão os pneus, o motor, os travões, a caixa de velocidades. Parecem novos, são-o em termos de tempo, mas... e quem andou neles? Tratou bem da mercadoria, ou apenas se serviu para mostrar o quão boa é a "máquina"? Acho muito estranho o carro nem sequer ter seguro. Pede-se ao "amigo famoso" para levar o bólide XPTO até Lisboa, fazer publicidade e tal, e nem sequer se pensa que pode acontecer algum percalço, alguma coisa que obrigue a pessoa a ter de mostrar os documentos. Nada! E agora, tal como eu esperava assim que ouvi de quem era a viatura, a quem pertencia, é o stand, o "amigo" que quer ser compensando pela destruição de um veículo. Veículo esse que até alguém afirmar o contrário (policialmente de preferência, porque de outras forma, eu não aceito), podia estar muito bem com problemas, concretamente, no uso e estado dos pneus. Segundo sei, os pneus não precisam de estar velhos e gastos para rebentarem; basta-lhes mudança de piso, diferentes tipos de pressões, temperaturas... e BUM!
Agora passo aos comentários. Numa palavra: asquerosos. Duas palavras afinal: revoltantes. Cada vez tenho a maior sensação de que o povo (pá!) gosta mesmo de dizer mal. Sente-se bem assim. Qualquer coisa de superioridade alfa, ou beta, ou mesmo omega, porque não? Revoltante a forma como ou por uma questão de gosto pessoal ou de racismo, se conseguem dizer tantas barbaridades ao mesmo tempo? Que ele estava drogado, que ele estava bêbedo, que ia a 300 à hora, que foi bem feito, que ele já tinha morrido desde que tinha aparecido na TV, que ele deveria ter morrido sozinho, não levava os outros atrás, enfim... quase como se ele.. o ele de 28 anos, feliz com a sua vida, tivesse feito de propósito, tivesse querido morrer naquela noite. "Quem era o Angélico? Mas ele era "alguém"? Tanta gente morre e nunca se faz este cagarim.." A Angélico era cada uma destas pessoas pequenas, mesquinhas, más. O Angélico representava, de certeza, para elas, a concretização de um, dois, três sonhos que ficaram para trás, que tiveram de ser postos de parte (porque a vida é difícil e temos que "trabalhar a sério" - que raio de teoria estúpida, porque a realização dos nossos sonhos parte da nossa vontade de os levar a bom porto e não a desistir só porque não dá jeito lutar por eles), ou seja, um recalcamento bastante grande sobre as suas próprias e tristes, patéticas vidas. Ele reflectia o sonho de muitos outros jovens, que querem aparecer na televisão, que querem cantar e dançar. Eventualmente será por causa dele também, (não menosprezo nem os grandes nomes ou os pequenos que influenciam as pessoas para as artes do espectáculo), que muitos irão para o Conservatório, ou para a Escola Superior de Artes e Cinema. Agora não podemos estar nem a apontar o dedo, nem a dizer barbaridades só porque o Angélico era uma figura pública. Sabemos que funciona assim, tanto em Portugal (com ou sem crise) como lá fora (embora eu recorde que houvesse quem chamasse de puta à Princesa Diana, após a sua morte). Somos abutres por natureza e gostamos do caos que se gera à volta destes casos. Seria de supor, pelo menos, que servissem de exemplo: não servem. Amanhã haverá outro brutal acidente com mortos anónimos, onde não irão jornalistas comparecer nem ao hospital, nem ao funeral. A vida é assim mesmo. Só damos a importância às coisas porque queremos, de outra forma, ninguém nos obriga. Agora é nossa obrigação moral, como cidadãos até, em reflectir muito antes de escrevermos seja o que for, sobre o que for. De outra forma, apenas atiramos pedras aos outros, sem pensar que não somos melhores que eles e que, se calhar, também as merecemos.
Angélico Vieira (1982-2011)
Fiquem bem. E sim, será o meu único comentário e opinião sobre o assunto.

3 comments:

nEa said...

subscrevo na íntegra! Deu-se importância porque ele acabou por ter algum realce na tv... e por outro lado serve de exemplo, ou deveria... excesso de velocidade, sem cinto e com carros de outros~--> não obrigada! e ainda oiço gente a dizer que levar cinto atrás é chato e não dá jeito... epah, vê-se que é uma das nossas seguranças mais efectivas!

Cláudia Paiva Silva said...

O pior Inês é continuar a especular-se e a haver muita contra-informação. Cada um diz a sua setença.. ou melhor, neste caso, caga a sua sentença porque até agora não li nada de útil. O pior, é quando o tal rapaz que sobreviveu para contar a história, agora, mais calmo com o sucedido, vem afirmar que o Angélico vinha de facto com o cinto, e que os bombeiros tiveram de o cortar. O pior é que de facto isso realmente aconteceu, porque de outra forma o condutor também teria sido projectado. E agora? O que fazer? Eu continuo a culpar acima de tudo o "amigo" dono do stand.. O resto pode acontecer, como sabemos, a qualquer um de nós. Exemplo, quando voltámos do Algarve, na saída de campo, embora estivéssemos todos com o cinto colocado, sabíamos bem que estavamos a grande velocidade (170/180 à hora) numa carrinha apinhda de gente. Um pneu rebenta, um animal atravessa-se no caminho. Ou o condutor teria uma capacidade de reagir brutal e não perdesse o sangue frio ou então, interrogo-me se não teríamos ido (alguns de nós) à vida...

Cláudia Paiva Silva said...

E consta mesmo isso do cinto, no relatório dos Bombeiros. O Angélico não "saltou" do carro porque estava preso a algo.. e embateu com toda a violência no vidro. De qualquer forma, de certeza que morria.