"O nosso lirismo devia ser coutado. O país devia consagrar-lhes um parque de reserva, onde fosse proibido dizimar as espécies que ainda restam, deixando-as viver num paradisíaco devaneio, à lei da inspiração. E nenhum sítio é mais indicado para isso do que esta província portuguesa, feira de dunas e calcários.
Poderiam passear à sombra evocadora do grande pinhal que o colega medieval semeou, sonhar nas margens do Lis e do Lena, do Alcoa e do Baça, que são rios encantadores para sonhar, e em Pedrogão, S. Pedro de Moel, Nazaré, S. Martinho, Baleal, Ericeira e Sesimbra, tomariam banhos de mar, sem perigo de maior. Visitariam Mafra de vez em quando, como penitência, gozariam férias graníticas em Sintra, e os seus retiros espirituais seriam na Arrábida, fora do convento. Teriam grandes motivos poéticos e humanos à mão de semear, como a vida dos pescadores da Nazaré, as peregrinações a Fátima, a morte lenta à boca dos fornos da Marinha Grande, a trituração das pedras e dos homens para fazer cimento na Madeira, sem falar no clássico manancial de Aljubarrota, assunto que nunca mais acaba.
Todas as condições, como se vê, para que outro apogeu da nossa cultura surgisse das margens onde ela afinal tem as raízes. Uma vez que o melhor da força criadora nacional está concentrado nesse pequeno reduto em que as serras de Aire, Candeeiros e Montejunto são ameias, nada de mais sensato do que tentar reverdecê-la aí. Granjeada de novo naquelas colinas suaves e calmas, talvez brotasse com o alento com que todos suspiram. Não é às lousas do xisto ou à aspereza das urgueiras que se hão-de pedir filigranas góticas e versos bucólicos. Nos sítios onde a natureza não quer, nem as calhandras cantam. O talento é preciso, mas é preciso também que o meio ajude." (Portugal, Miguel Torga)
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