Naquele primeiro dia, em que tempo começou a parar, era tudo um sussuro abafado. Uma coisa lá de longe, num extremo oriental que pouco conhecemos. Depois vieram os primeiros ruídos de silêncio, como se tal coisa pudesse fazer sentido, mas cada vez mais fortes, cada vez mais perto, o ponteiro dos minutos a passar como horas, os segundos a demorar minutos, uma trovoada ténue, um chuvisco que nem molha. Até que, de repente, o relógio deixou de funcionar. Vimo-nos encerrados nas nossas casas, nos nossos lares, nos nossos hospitais, com algo que está lá fora nas ruas porque também poderá estar cá dentro, de cada um de nós, algo que a natureza colocou numa primeira pessoa que terá passado a outra e a outra e a dezenas e centenas e milhares e milhões de outras pessoas, já longe do extremo oriental. Tornamo-nos assim os nossos próprios inimigos, tornamo-nos eremitas, afastados fisicamente uns dos outros - ou uns mais que outros -, pais de filhos, netos de avós, vizinhos de vizinhos, amigos de outros amigos. Porque o tempo parou.
E este jogo ainda mal começou. Será que o planeta com armas invisíveis e silenciosas irá conseguir o seu objetivo de mudança ou será que voltamos a ser aquilo que éramos, egoístas, gananciosos, absortos em vidas mesquinas, miseráveis, num ram-ram de casa trabalho, trabalho casa? Deixámos de ir aos nossos empregos, deixámos de ir aos parques, deixámos de ir às lojas, porque tudo fechou, porque o tempo parou. Porque o tempo parou.
Será que vamos saber finalmente ser seres MAIS humanos, ou apenas seremos mais uma espécie que mesmo vendo que está em vias de extinção, e não por causa das causas que se pensavam culpadas, irá continuar o seu rumo de auto-destruição. Será que a riqueza e a economia mundial de um país vale mais do que vidas humanas, será que iremos compreender finalmente o que é o mais fundamental para uma sociedade funcionar. Mas acima de tudo, será que iremos finalmente perceber que não há ricos nem pobres, nem primeiro nem segundo nem terceiro mundo, que a vida não é feita por "andares" sociais ou estereotipos, que estamos todos no mesmo barco, que temos de respeitar estas novas regras, estas novas leis. Tudo porque o tempo parou.
Mas o tempo parou para a escala humana. O tempo parou para nós. Mas o tempo não parou na natureza.
Naquele primeiro dia, era a Primavera a chegar, eram as árvores com novas folhas enchendo os ramos outrora vazios em tons verdes, eram as flores a romper para a aurora do dia, para o futuro quente que se avizinha, já era o casal de andorinhas a esvoaçar na rua, a chilrear alegremente, era o pardal a tomar banho numa poça de água da chuva. Porque o tempo, afinal, não parou totalmente. Não para aquilo que o tempo acha que é o verdadeiro, o real e o importante. Não parou para a estação da Esperança.
Fotos realizadas nos Jardins do Palácio Nacional de Queluz, no dia 8 de Março 2020 |
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