2025 - Cláudia Paiva Silva

Sunday, February 16, 2025

A volta do tempo
February 16, 20250 Comments
Luta entre o Carnaval e a Quaresma. Pieter Bruegel, 1559, Óleo sobre Tela, Kunsthistorisches Museum de Viena

Tradição, raízes, cultura, simbolismo, manifestação, mas também excesso, festa, inverso, pecado. O Carnaval, carnem levare (remover ou retirar a carne, numa analogia ao período de jejum que se aproxima), tem origens, como antes dito, pagãs - ideais de fertilidade, de primavera, da passagem de inverno para verão, a transformação dos dias, das paisagens, da rotatividade das culturas. Contudo, a inversão do tempo, a passagem, por exemplo, do tempo astronómico a sul do equador, também auxiliam à caracterização de um período que se repete, desde há largos milhares de anos. A conotação religiosa, de tendência cristã, é definitivamente "recente". Sem nunca apagar a perceção real do que significa ser-se "inverso", o carácter associado à Igreja Católica é, por demais, marcado. O perído que antecede a Páscoa, a época da Quaresma, os excessos e luxo que antecedem o período de reclusão, de abstinência. 

Quando visitei o Centro de Artes e Criatividade de Torres Vedras, no passado mês de novembro, desconhecia esta "origem" do Carnaval. Habituada, como muitos portugueses à origem mais folclórica, na qual temos sempre presente a imagens dos caretos, dos chocalhos, dos "avanços" dos homens mascarados às mulheres, num ritual ancestral que evoca a fertilidade, o renascimento, ou a vida sobre a morte, esta questão do "inverso" não fazia parte da minha oratória.

Muitos países, nomeadamente junto ao equador, cuja dicotomia ricos versus pobres é gritante, pairando sempre um sentimento de religiosidade que não é de todo aceitável (pela criminalidade, pelos falha de direitos humanos, pela violência e abuso contra mulheres e crianças), o Carnaval vive-se com especial comoção. Não menciono sequer o Carnaval brasileiro que dispara nas origens culturais mais ou menos associadas ao colonialismo. 

Contudo, é um período onde o homem veste-se de mulher, a mulher de homem, o negro pinta-se de branco e, mesmo atravessando um atual período conturbado na história social mundial, o branco pinta-se de negro, invrertendo papéis, onde não há diferenças. Ou então, onde as há ainda maiores, num momento repetido, anual, no qual a sátria e a crítica, ganham especial importância.

E ainda temos um conceito de luxo que pode e deve ser associado. Como não falar dos sumptuosos Carnavais de Veneza? 

A começar pelo vestuário. "Na Veneza do século XVI, também existiam normas quanto ao vesturário, o seu feitio, corte e material, segundo a respetiva posição social, mas as leis que foram publicadas contra o luxo e a ostentação não eram tão rigorosas na urbe da laguna, onde se faziam deslumbrantes vestidos de brocado de seda, veludo, damasco, musselina e rendas venezianas, os quais criavam tendências de moda que depois abriam caminho até aos paços do Renascimento, como por exemplo, as golas de tufos." Além dos tecidos, as cores usadas também evocam a classe social, índigo e púrpura, por exemplo, seriam os corantes mais caros, aos quais ainda se juntavam no fabrico de peças, fios de ouro, trabalhando-se os bordados e, claro, usando as rendas do decote e punhos. Aliás, os grandes decotes, cobertos pelos véus e rendas, pautavam por um simbolismo de pureza virginal, e, não menos importante, de mistério. 

Já as máscaras têm por origem outra razão. A proteção da doença, feita de melhor o pior forma, ganha predominância logo a seguir à devastação deixada pela Peste. Por outro lado, sabendo que uma tez clara sempre foi sinónimo de classe social elevada, o uso de máscaras ao sair de casa, serviria, essencialmente, para proteger a face dos raios solares.

"O 'Ridotto' em Veneza" - Pietro Longhi, pintor veneziano (1701-1785)

O uso carnavalesco tem outra justificação. O mistério, o não saber quem está por detrás, o anonimato - que fácil é cometer os mais variados pecados quando ninguém sabe quem somos. Era acessório indispensável para os bailes, para as ruas, para o dia-a-dia. A máscara protegia os rostos e fazia desaparecer as diferenças.

Em Veneza a máscara usada pelas mulheres designa-se por moretta, geralmente em formato oval feita de veludo. As máscaras de seda, geralmente negras, eram ricamente decoradas com pérolas ou penas, mas mais simples ou não, faziam parte do ritual.

A esta distância temporal, e quiçá, sensorial, o Carnaval, Entrudo, continua a ser um período exclusivo, com forte teor religioso, mas também, mítico, e onde o pendor de escárnio pautado por forte influência social, é ainda bastante explícito. As diferentes influências constatadas, nomeadamente em Portugal e no Brasil, onde o corso ganha relevância, tal como o período pré-pascal, constituem os percursos cujas raizes continuarão a fazer-se sentir ao longo dos séculos. 

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Saturday, January 11, 2025

Veneza aqui ao lado
January 11, 20250 Comments

                                 Giovanni Antonio Canal, dito Canaletto, "Regatta no Grande Canal"


Existe algo na luz de Veneza que nos parece familiar. Numa terra que hoje está rendida (e vendida) aos interesses enconómicos associados ao turismo de massas, pautadas por bons rendimentos, surpreende ainda quando, pela manhã, os primeiros raios de sol, a primera luminosidade, se acerca dos canais, das fachadas dos edificios, estoicamente construídos sob o mar.

Veneza, cidade que já foi República, controlando o Adriático, sempre pautou pela sumptuosidade. Não era um lugar como os outros. O seu poder extendia-se até Constatinopla, e inlcuia Creta e Chipre, o Império Bizantino respeitava a região. As trocas comerciais, as portas com o Oriente (onde começa, onde termina, afinal?), todos estes fatores, faziam com que a designada "Sereníssima" se destacasse. Não apenas pelos negócios. Mas pelas suas gentes. Famílias abastadas, de origem nobre, o próprio Dux, e o seu Ducado, os palácios construidos, as sedas, os veludos, as obras de arte. 

Até que a sede de Poder, as guerras internas, externas, os conflitos por região e território, a Humanidade a fazer o que melhor sabe, pilhar e destruir, deixaram Veneza perdida. Uma vasta região de pequenas ilhas que poderia ser tomada por qualquer um dos interveninetes bélicos. Viessem de norte, ou de sul, do oriente ou ocidente. A sua independência fortemente abalada. Para sempre perdida. 

É, no entanto, e já num período no qual se poderia avistar o fim, que alguns dos maiores mestres da pintura italiana (mas também europeia) se aproximam da cidade. Muitos deles, chegados por via do "Grand Tour", as viagens que os jovens europeus, provenientes, claro, de famílias titulares, da nobreza ou aristocracia, faziam, por objeto de conhecerem as diferentes capitais, absorvendo cultura, línguas, manejos e costumes. 

Giovanni "Canaletto", Francesco Guardi, Bernardo Belloto, são alguns destes artistas, que se destacam pela grandiosidade do detalhe com que pintam a cidade. Sem nunca deixarem de conservar, como se fosse possível o fazer, os edifícios emblemáticos, pintam e retratam uma sociedade em festividade. 

No Museu Gulbenkian, possível de ser vista até 13 de janeiro, esta próxima segunda feira, a exposição "Veneza em Festa" é a resposta direta ao início deste texto. Mesmo que a sala onde está patente, preserve a solenidade de uma exibição grandiosa, porque não, luxuosa, a luz que emana das obras expostas, é realmente contrastante com o restante contexto. É impossível não ter essa noção de realismo, quando nos lembramos das imagens que conhecemos das gondolas, das pontes, dos emblemas da cidade italiana. 

E, uma vez mais, a abrangência do momento - Veneza, conhecida pelo seu Carnaval, a sua festa de inverso ainda mais extremada, onde mascarados convivem com harlequins, sem sabermos quem é quem, é aqui retratada no Dia da Ascensão, já em pleno momento de primavera, após a celebração da Páscoa, rigorosa, controladora. Sente-se a atmosfera de primeiro calor estival, as cores mais cândidas e vivas, a alegria da chegada do Dux, as fachadas engalanadas. Mas também outros motivos que são conhecidos e indentificados por "vedutismo" - a representação da paisagem urbana, ou ainda, os "capricci", resultado da imaginação de cada autor, podendo conter elementos irreais ao espaço e ao tempo. 

Sim, Veneza está em Lisboa, e consegue-se sentir o séc. XVII. Uma cidade no seu auge e apoteose, qual atriz na sua última cena em palco, aquela que arranca os aplausos do público que estaria ainda ávido por mais. 



Giovanni Antonio Canal, dito Canaletto, «O Grande Canal Visto de San Vio, Veneza»

Francesco Guardi. Detalhe da obra «A Festa da Ascensão na Praça de São Marcos Veneza»



 

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Sunday, January 05, 2025

5/365
January 05, 20250 Comments

 

Existe, claro, algo que acusa uma obra ou objeto ser mais ou menos destacada de entre as demais. A criatividade por detrás da sua construção (da ideia ao real).
Cada um poderá evocar as diferentes opiniões sobre o tema, como ou a forma, ou a capacidade intelectual do ser criativo. Não olvidando, claro, as profícuas sensações de influência ou inspiração. 
É nessa óbvia busca pelo que poderá ser mais original, que nos deparamos com cenários onde o tempo/espaço parecem ter ficado incómules. Parados em imagens de cores que merecem o detalhe de olhar (e que, afinal, não passarão de breves instantes até que tudo mude). 
Observando a paisagem citadina neste início do ano, os tons pálidos ou de quebra de dia solar, sobrepõem-se à urbe. 
Registamos a natureza que ainda se pode ver nestes contrastes, passeamos em jardins construídos para esse propósito de "mentira", mas que nos afasta (quase) do local real onde estamos situados, numa sensação de conforto. 
A criatividade alimenta-se destes pequenos momentos.




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Saturday, January 04, 2025

4/365
January 04, 20250 Comments

 



Veneza em Festa - Exposição no Museu Calouste Gulbenkian


Na pesquisa sobre o conceito de Arte e Estética, e igualmente sobre o Luxo, deparo-me com a imensa dificuldade nas suas definições. Ou pelo menos uma definição que seja mais ampla e que possa abranger as várias descrições que cada um de nós, no nosso plano individual, mas também como elementos coletivos da sociedade moderna, lhes possamos dar. De certa forma, são caracterizações que, ideia geral, terão de conferir um grau emocional, um sentimento - embora sejamos nós, humanos, os sujeitos com capacidade para garantir esse peso a algo material, num mundo físico. 

Contudo, a sua origem, que remonta às primeiras tribos, representam, tendo por recurso pigmentos que nos chegam aos dias de hoje, cenas da natureza, fauna e flora. Evoluindo ao longo de milhares de anos, estas manifestações tornam-se particularizações espirituais ou rituais. A exultação a deuses e criadores, personagens mitológicas ou outras reais. A Arte e a Estética vão avançado lado a lado, nem sempre com o conceito como hoje o conhecemos. E ainda assim, vão dependendo das diferentes regiões e culturas mundiais, sendo que, onde uns consideram, a exemplo, o "vedutismo" um género de arte na pintura, outros exemplificam o chá, a água, um jardim, como elementos que podem e devem ser representados pelo seu simbolismo e importância social. 

Com o surgimento da fotografia, a amplitude aumenta. O desejo de retratar de forma direta, o momento presente, recordação para o amanha, acaba por transformar, uma vez mais, o objetivo da Arte, ou, melhor, acaba por se transformar, em si mesmo, em mais uma forma da mesma. 

Pessoais e objetivos, Arte e Estética, afinal, dependerão de quem os aborda e de quem é seu espectador. Ou da sugestão que lhe é dada, ou até mesmo de um interlocutor (um influenciador). Uma imagem pode ser "bela" aos olhos de um grupo de pessoas, independentemente da forma como lhes é apresentada, seja por escultura, pintura, desenho, fotografia, música, cinema ou de tantas outras maneiras. Uma imagem pode apenas ser significativa, impactante a quem a cria ou a uma única pessoa que a aborda. No fundo, como escreve Martim Sousa Tavares em "Falar Piano e Tocar Francês", "o poder da atribuição de beleza (aloca-se) na pessoa que observa e não no objeto observado, fazendo com que este não tenha determinado valor absoluto e intrínseco". 

Transportando esta teoria para o prisma de luxuosidade, pode-se afirmar que uma obra de arte, mais do que a sua estética, que, por sua vez, é muito mais susceptível à ideia do espectador, terá apenas valor quando se distingue pelo legado e capacidade de adaptação às diferentes gerações? Uma vez mais, qual será o preciso momento no qual um objeto deixa de apenas o ser e transfigura-se em algo admirável, além de belo, transmitindo sensações únicas? 

 

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Wednesday, January 01, 2025

dia 1/365
January 01, 20250 Comments

 



Algo que é criado para ser olhado, apreciado, tido como exclusivo, elevando-se da categoria dos demais objetivos, da restante Arte e até mesmo, Cultura. Algo que cause impacto, seja prazeiroso, podendo ser supérfluo ou não. 

Outra definição que poderia caracterizar o tema "Luxo" e que dá origem aos futuros textos e monólogos durante este novo ano. Algo diferente sim.






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