O texto que se segue foi primeiramente publicado na REVISTA RUA a 4 de março de 2024.
Tema fraturante, mas cada vez mais necessário num mundo politicamente correto e, simultaneamente, tão sem amarras, “O Sexo das Mulheres” pode ser entendido como um manifesto, ou, livro de crónicas.
Contudo, na realidade, o livro da autora Anne Akrich, é um murro na mesa, na evolução do feminismo.
Porque o livro “O
Sexo das Mulheres” (edição Quetzal) não é um livro de educação sexual. Ou
melhor, também o pode ser. E porque nos aproximamos rapidamente de dia 8 de
março, consagrado e exclusivo para as Mulheres, porque não colocar o dedo na
ferida? Mais ainda quando as eleições nacionais irão, certamente, eclipsar mais
uma data anual, igual a tantas outras, mas cuja importância não passa de
distribuição de flores e pouco mais.
Os números não
enganam, e continua a haver uma predominância de casos de violência contra as
mulheres, em todo o mundo. Incluindo a violência sexual que já não passa apenas
pela violação, ou pela violência de atos sexuais não consentidos.
No livro, contudo, Anne aborda outros temas que tocam profundamente a imensidão da psique feminina. Nomeadamente a culpa que muitas mulheres ainda sentem – sim, em países desenvolvidos, modernos, “open-minded” e onde o “me too” carrega todo um peso. A culpa, maioritariamente derivada de um sistema patriarcal, bem enraizado em países como Portugal, por exemplo, onde até há poucas décadas, a mulher se queria “domesticável” e, “disponível” para as vontades masculinas apenas.
Mas e quando é a
vez delas? Num sistema social bem definido, onde o feminismo tem lugar, não
haveria espaço sequer para qualquer dúvida. Homens e Mulheres têm o mesmo
direito ao prazer, a procurar formas de terem prazer. Mas, sabemos que não é
tanto assim, embora, as novas gerações insistam em importar conceitos
internacionais que desmistifiquem as ocorrências. Mas será que podemos tratar o
sexo da mesma forma em Portugal, como na França, como um país nórdico, africano
ou asiático? Talvez não.
O prazer no
masculino resume-se rapidamente a uma “ação” para o exterior. Já no que toca ao
prazer feminino, há que estimular cerca de 10 mil terminações nervosas. Não
pode ser uma coisa rápida e “(in)dolor”.
Ainda assim,
palavras como empoderamento feminino, sororidade, ou as mais recentes “estou a
criar um/a feminista”, não mais servem do que achas para uma fogueira a céu
aberto, com emissões de CO2 por todo o lado. Numa época na qual as políticas
parecem convergir para uma “direita” fatual e eficiente, as reivindicações, as
questões, as culpas femininas, provocam o caos e o medo no masculino. Mais,
todos os tipos de manifestações são já vistos, pelas próprias mulheres como um
exagero, uma afronta. Quase que é necessário voltar ao tempo em que a mulher
deve ser recatada, e estar pacificamente no seu devido lugar, sem fazer muito
barulho.
Numa das entradas
mais cómicas, e, no entanto, tão verdadeiras, do livro, Anne descreve: “O sexo
feminino é o órgão mais inteligente do corpo humano. É provavelmente isso o que
mete medo. Basta pensar que nos filmes de Hollywood há muitos monstros que são
vaginas. Predador, Alien, o deus dos Aracnídeos, o meu preferido continua a ser
o Cérebro comedor de pensamentos de Soldados do Universo, uma vulva gigantesca
ataviada com oito olhos. Penso num homem sozinho diante da folha de desenho, a
moer a cabeça para imaginar o aspeto de um monstro aterrador, que,
inconscientemente, esboça os contornos de uma vagina (…). Uma vagina pessoal!
Há lá coisa mais aterradora do que uma vagina!”
Alien - Facehugger |
Resta a questão, será que este medo, enraizado nos homens, talvez num complexo de Édipo, não estará igualmente presente em quase todas as mulheres? Uma memória no ADN desde a época de Eva e Adão, onde, claro, a maçã caiu nas mãos da Mulher, contaminando toda a futura Humanidade.
Mais a mais, não é
mulher a principal culpada pelo seu desgoverno sexual? Se ainda hoje se escuta
que, certamente, se colocam a jeito, como sair da espiral de eterna
culpabilização pelos instintos mais básicos, carnais e humanos que existem?
TIZIANO, Vecellio di Gregorio (?-1576). Adão e Eva (1550). Museu Nacional del Prado, Espanha |
Assim, “O Sexo das Mulheres”, desbrava vários territórios, entre os quais também se incluem filhos, maridos, companheiros, aventuras, desventuras, abuso sexual, abuso de poder, o que nos é transmitido de geração em geração. Mas não, não ensina o futuro, não o prevê sequer. Apenas reflete o resultado de, talvez, milénios de dúvidas e poucas respostas.
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