Fizesse chuva ou sol, numa época em que as mulheres eram tidas como boas donas de casa, senhoras de família, boas esposas e mães, recatadas, com profissões, se as tivessem, femininas: enfermeiras, professoras, havia um Portugal inteiro onde a pobreza, obrigava, tantas outras, a trabalharem como os (seus) homens. Carregando fardos de palha, trabalhando nas minas, colhendo o trabalho dos campos, nas lavouras, mais além do parco trabalho em casas de pedra, onde os colchões de palha substituíam os lençóis, as camas em madeira de carvalho, mas que estavam sempre, imaculadamente limpas, apesar da escassez gritante de ordenados que permitissem uma mesa com mais pão, mais carne, alimentando as, não raras vezes, numerosas famílias.
Maria Lamas (1893-1983) fotografou tudo isso e relatou-o também, na obra Mulheres do meu País (trabalho concretizado entre 1947 e 1950), cuja publicação só foi permitia em capítulos individuais. Embora à época muitas outras mulheres-senhoras, ironicamente as mais privilegiadas, não se identificassem o que estava redigido, não houve impedimento para que Maria Lamas, escritora, professora, investigadora, jornalista, não passasse da revista Modas & Bordados, anos antes, para o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, de quem se tornou presidente da Direção, em 1945.
Busto de Maria Lamas. Gesso esculpido, em 1929, por Júlio de Sousa. |
Poderíamos escrever toda uma tese da mulher feminista que Maria Lamas era e do que representou para os direitos entre mulheres e homens durante o Estado Novo, mas a verdade é que, os seus livros há muito que estão "esgotados", as suas exposições fotográficas são "inexistentes", e a sua obra, permanece uma incógnita para quase todo um país, Portugal, bem certo.
A par com Artur Pastor, entre tantos outros, Maria Lamas, conseguiu, contudo, nas imagens agora expostas na Fundação Calouste Gulbenkian, até 28 de maio, em Lisboa, captar o olhar da mulher portuguesa, a tal que não baixava os braços e não se limitava aos bordados e missas. Esta exposição, um pequeno exemplo do seu trabalho, tem a curadoria de Jorge Calado, que, aos longo de anos, se tornou especialista na escolha das suas fiéis imagens. Ao todo, foram selecionadas 67 fotografias, de pequena dimensão, e raras ampliações. Mas a exposição também conta com pedaços de vida da autora, através de cadernos, anotações, livros.
Aquela Maria Lamas, que foi presa pela PIDE em 1949, 1951 e 1953, exilada em Paris entre 1962 e 1969, principalmente por um contínuo e manifesto discurso anti-regime, resultando numa contínua e manifesta perseguição pela polícia política, tem agora, aqui, hoje, a oportunidade de se reapresentar aos portugueses, e de mostrar o papel que todas e todos temos, quando lutamos pelo bem comum.
EXPOSIÇÃO AS MULHERES DE MARIA LAMAS
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN COM ENTRADA LIVRE
ATÉ 28 MAIO 2024
No comments:
Post a Comment