Gosto da Turquia. Nunca lá fui, diga-se, mas gosto.
Parece ser uma coisa bonita ali, plantava junto ao Bósforo, Mediterrâneo, Egeu, Negro, a porta do Oriente, um local onde durante centenas de anos, várias raças e religiões conviveram em paz. Um país para onde (na altura ainda Império Bizantino) se concentravam as diásporas de vários outros povos em fuga.
Gosto agora ainda mais da Turquia. Um país que faz fronteira com o Irão, a Síria, o Iraque e, ainda assim, consegue ter tantos atentados como a França. Um país onde os direitos humanos são assegurados todos os dias, onde a liberdade de expressão é marcante, onde o voto é livre.
A verdade é que Erdogan é um verdadeiro homem político. De verdade que foi eleito em eleições livres e democráticas, em que o povo o elegeu como seu representante, povo esse que há dias, quando em menos de 4 horas foram mortas cerca de 300 pessoas só porque, enfim, eram contra o Estado, foi para a rua aplaudir o contra-golpe. Sim, é dessa gente, que apoia fortemente uma crescente islamização, um corte aos fracos direitos humanos, que concorda com a reinstalação da pena de morte (pena de morte not cool to EU entrance application), que o mundo precisa.
Gente que, na verdade, não tem por onde se agarrar mais, gente que se não aplaude, não concorda, pode ser presa, torturada, morta, porque não têm alternativa à tirania. Porque não existe ninguém credível e pró-ocidental, que consiga fazer frente aos ditames de um retrocesso histórico cada vez mais evidente. Malta culta, evoluída, viajada, que um dia vê-se obrigada a emigrar, quiçá com o carimbo de "terrorista" no passaporte.
O mais estranho, para mim, nem é o que se passa lá dentro, mas sim as opiniões dos de fora. Há gente pró-ocidental contra os reaccionários, há gente cá fora que também bateu palmas à "força e resistência do povo turco que apoia incondicionalmente o seu representante maior", há gente cá fora que também ela vive sobre regimes ditos democráticos, mas que, sendo de esquerda ou direita, não deixam de ser totalitários, reveladores apenas da prepotência que os seus líderes possuem.
Na Turquia, em menos de uma semana, contratos com agências noticiosas, por televisão e rádio, foram cancelados, e várias mãos cheias de professores, afastados dos seus cargos. Sim, não podemos deixar que esses tais reaccionários, essa pandilha que faz as pessoas pensarem, que transmitem informações verdadeiras, consigam monopolizar mentes, influenciar espíritos. Há que os travar o quanto antes.
O problema do golpe de estado, além de ter sido realizado igualmente por gente de se torcer o nariz, em menor número e sem quaisquer condições, assenta acima de tudo no total revés ao seu objectivo real: com este contra-golpe Erdogan apenas conseguiu mais apoiantes, mais força, mais poder - e tem tudo para seguir com o seu plano democrático de dar cabo da democracia turca.
Ainda assim, pergunto-me: quantos serão aqueles que, se pudessem governar (livremente) a Turquia, a conseguiriam proteger de todos os invasores vizinhos?
Pergunto também, quantos foram os países, governados por tiranos e ditadores, que após terem sido "libertados pelas forças ocidentais da NATO (e americanas)" se encontram neste momento em plena tranquilidade.
Pergunto até que ponto não serão os regimes anti-democratas que nos irão safar a todos um dia destes...
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