Nascida a meio dos anos 80 e criada na (para mim mítica) década de 90, o fenómeno da telenovela brasileira é intrínseco ao meu crescimento. Ninguém naquela altura ficava indiferente às novelas da Globo e da Record que entravam, primeiramente pela RTP e depois pela SIC, nas nossas casas, anos luz de canais no YouTube nos permitirem rever ou antever episódios vários e de várias proveniências. Assim sendo eu era assídua, quando miúda, a algumas das mais conhecidas telenovelas de sotaque tropical (desde Sassaricando, Roque Santeiro, Brega&Chique - aí era mesmo muito pequena!, Tieta, Pedra sobre Pedra, passando depois para o fenómeno das Helenas do Manoel Carlos (Viver a Vida, História de Amor, Felicidade, etc.)). Desenganem-se porém aqueles que pensam que as novelas portuguesas eram postas de parte. Claro que ainda não tinha nascido quando Vila Faia fez sucesso, mas vi com entusiasmo fanático Roseira Brava (genial mão de Tozé Martinho).
O que mudou ao longo dos anos, além da falta de paciência e de tempo no meu caso, foi também a falta de criatividade no caso dos autores. Houve uma altura em que a televisão nacional deixou simplesmente de comprar à Globo noevlas, e a TVI exerceu a sua pressão ao gerar (aos pontapés, como cogumelos ou coelhos) centenas de episódios para contar histórias que muitas vezes se podiam ficar apenas pelos 80 (e já estou a ser boazinha). Claro que houve excepções, com grandes actores e outros que ainda se estão a fazer futuramente grandes, mas a fórmula é sempre a mesma, acabando por cansar quem vê, e, segundo consta, quem interpreta.
Voltemos porém à questão da novela brasileira. Depois do que me pareceu um hiato na criação de boas histórias, aconteceu algo que até há 15 anos atrás parecia impossível - o vilão, afinal, não ser tão mau assim.
Primeiro surgiu com Carminha (através de uma brilhante Adriana Esteves), (Avenida Brasil, 2012) e agora com a personagem (uma vez mais incrivelmente interpretada por Mateus Solano) de Félix em (Por Amor, 2013). O papel de vilão, quase sempre macabro, capaz das maiores atrocidades, e cada vez mais maléfico num mundo cada vez mais global, tem-se regenerado através da justificação plausível para a causa do ódio que o alimenta.
Se antes a figura seria geralmente o homem rico que queria proteger a família (herança) das mãos de pseudo-caçadores/as de fortunas, ou a mulher que se via abandonada e ultrapassava os limites de loucura para reconquistar o seu "grande amor", nem que para isso fosse preciso ameaçar de morte crianças (Viviane Pasmanter em Felicidade e em História de Amor, onde parece repetir a mesma fórmula de bruxa tresloucada), hoje, tudo se deve a uma infância pobre em amor (tenha o fundo social que tiver). Tanto Carminha, que se sabe ter também nascido e crescido numa lixeira, e forçada mais tarde à prostituição pelo suposto pai, vê em Nina (a enteada) uma barreira à sua felicidade (monetária), quando esta a tenta desmascarar. Ao longo da novela as duas personagens vão desenvolvendo e demonstrando as suas reais intenções, mas mais importante, o seu fundo. Nem Nina era assim tão boazinha, nem Carminha era assim tão má.
No que toca a Félix, e como se diz algures na novela, pode-se compreender o porquê, mas o mesmo não justifica a razão das suas acções. Filho de família rica, desde cedo deixou transparecer a sua homossexualidade altamente reprovada por um pai instransigente, e de mau fundo. Nunca aceitando a condição do filho, sempre o maltratou e nunca lhe teve amor, considerando que a morte acidental de outro herdeiro, deveria ter sido a de Félix. Com o surgimento de uma irmã adoptiva, Felix alucina de vez, tendo e vendo com a certeza que ela será a filha desejada, querida, bem amada e favorita de um pai que nunca o quis em primeiro lugar. Daí à cadeia de eventos bárbaros, foi um pequeno passo.
Contudo, uma vez mais, e à medida que a história vai avançando, percebe-se que esta personagem não é totalmente o que parece, e uma das principais razões para a sua mudança, além de uma brutal humilhação, é a convivência com Márcia (que tinha sido sua ama na infância), e todo o amor que ela lhe dá, sem pedir nada em troca. Com isto, Felix vai revelando a sua verdadeira natureza, um ser altamente complexo, mas descomplexado, que sofre com falta de carinho e insegurança nos relacionamentos interpessoais, sejam eles íntimos ou sociais.
Tanto uma personagem como a outra, Carminha e Félix, têm como base a mesma questão, independentemente do seu contexto social. O que aqui se coloca em questão é como a falta de sentimentos tão simples como a transmissão e reconhecimento do que é o Amor (incondicional e de pais para filhos), pode alterar para sempre o comportamento de um ser humano. Pode-se se calhar dizer que estas pessoas serão certamente, além de anti-sociais, sociopatas, traduzindo-se tal patologia em comportamentos que não fazem parte dos aceitáveis pela sociedade, que se transforma, estranhamente, em mais dura e impiedosa - não olhar a meios para atingir fins.
Será este o mal futuro da Humanidade? O que nos torna Humanos senão a capacidade de Amar, de nos dar-nos aos outros? Se até os chamados irracionais sentem afectos, será que nos dias que correm, numa época de grande velocidade, estamos a respeitar os nossos mais básicos sentimentos e sensações? Será que dizemos vezes suficientes o quanto gostamos às nossas pessoas e mais ainda, será que o demonstramos? As gerações futuras serão o reflexo do que lhes dão ou lhes tiram em casa, em família. Um conjunto de factores que irão moldar a personalidade de cada indivíduo, independentemente do tipo cromossomático com que nasceu.
A novela voltou a inspirar-se na vida real. E é isso que me preocupa. Já não se procuram histórias de amor perfeitas ou vilões irreais. Os problemas actuais são outros, bem mais complicados de resolver.
1 comment:
De repente lembrei-me de Zeca Diabo (Lima Duarte) que na novela "O bem amado" era matador profissional! Talvez não fosse ele o vilão, talvez ele fosse só o "mau". O vilão era Odorico, o prefeito de Sucupira, o político corrupto, que não olha a meios para conseguir votos e desviar dinheiros públicos para o seu bolso pessoal. E esta é das primeiras memórias que tenho das novelas brasileiras. Das últimas "A casa das sete mulheres", que até nem era uma novela mas sim uma série que narrava a guerra pela independência do Rio Grande do Sul, contada da lado dos que a perderam. Gostei bastante e ainda recordo a música do genérico.
Entretanto há uns 5 anos que não tenho televisão, mas apanho por vezes, de relance, na casa dos meus pais, anúncios de novelas portuguesas, em que só se vê gente de armas na mão, violência e mais violência... Será que tenho andado desatento, e o terceiro pais mais pacífico do mundo transformou-se num faroeste? Ridículo não é? Quase tão ridículos como aqueles pequenos-almoços nas casas das pessoas, que eu só os tomo nos hotéis!
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