April 2025 - Cláudia Paiva Silva

Tuesday, April 29, 2025

dos dias longos
April 29, 20250 Comments

Há precisamente 24 horas, Portugal, Espanha e alguns outros países europeus, simplesmente, pararam. A eletricidade, a energia fundamental que o ser humano precisa para o seu dia a dia, cessou. E muitas serão, certamente, as teorias de conspiração, mais ou menos corretas, que poderão justificar o acontecimento. Contudo, algo parece ser certo - no momento em que Espanha exportava (ou transferia) energia para França e Portugal, houve um pico seguido de uma quebra - quebra essa que fez disparar todos os alarmes e sistemas disponíveis, cortando de imediado o acesso das várias redes elétricas. 

Justificações à parte - Portugal recuperou tardiamente, porque só depois viemos a verificar que, afinal, a barragem de Castelo de Bode precisou de entrar em funcionamento, bem como algumas centrais termoelétricas que estavam em modo OFF - tarde, mas recuperou. 

Embora muitos possam dar os parabéns aos excelentes técnicos nacionais e estrangeiros que "trataram" do assunto, devo dizer que, enquanto cidadã, não me sinto minimamente contente, nem feliz, nem irei afirmar que "correu tudo bem". Obviamente que a Proteção Civil, Bombeiros e outras instituições, como a PSP, GNR, INEM, etc, fizeram o que podiam, com o pouco que também tinham. Mas o governo, como de costume, falhou redondamente. 

Portugal é um país completamente impreparado para qualquer evento mais robusto que possa ocorrer de forma negativa. Os portugueses, por muitos avisos, não sabem o que é um kit de emergência, e acreditam que, mesmo o tendo, mais vale ir a correr, comprar tudo o que precisam e não precisam às grandes superfícies - quero apenas ver e saber, as toneladas de comida que serão descartadas nas próximas semanas porque, afinal, "foi um exagero". 

(Gostava de saber, também, de onde, afinal, vem o dinheiro, de que todos se queixam em NÃO ter. Para o que se viu ontem, certamente que alguma coisa deve, afinal, permanecer nas contas bancárias, porque de outra forma, e pelo preço dos alimentos, não se deve ter gasto menos de 200 euros por cada carrinho cheio.) 

Não, Portugal não está preparado, Portugal não sabe lidar, o governo, seja de que facção política for, nunca saberá orientar-se - muito menos quando falha o que é o mais essencial: luz e água à população. LUZ, no sentido transversal, no qual nem redes móveis funcionaram grande parte do dia, para grande parte das pessoas (ao contrário do que muitas aventesmas dizem). Quando ninguém sabia o que estava a acontecer e, facilmente foi, começarem as grandes histórias, desde ciberataques, ao início de uma nova grande (e diferente) guerra, a fenómenos atmosféricos. Tudo o que poderia ter sido evitado se os comunicados oficiais tivessem sido transmitidos por esse meio incrível e (para tantos) arcaico, que é a rádio. Esquecem que o 25 de abril deu-se através de senhas passadas pela rádio. Esquecem-se que nas guerras, as notícias são transmitidas via rádio. Ondas de som que atravessam o tempo e espaço, ao ponto de serem escutadas nos confins do universo que nós conhecemos. 

Mas não, Portugal nem sabe fazer as coisas de forma a evitar-se qualquer pânico. Portugal enquanto governo, Portugal enquanto populaça que assalta desalmadamente prateleiras de qualquer coisa - qualquer coisa, que lhes possa parecer essencial.

Essencial é ter a sabedoria de esperar, de não empatar a vida dos outros, de não querer tudo para si - poderíamos ter aprendido algo com a pandemia, mas não aprendemos nada - pelo contrário. Aprendeu-se a negar tudo: a pandemia, a ciência, a tecnologia. As pessoas - começámos a negar as pessoas válidas e que têm conhecimento.

Ainda assim, ontem, vimos novamente miúdos a brincar nas ruas até bem tarde, enquanto vizinhos falavam uns com os outros, possivelmente, muitos, pela primeira vez em vários anos a habitar o mesmo prédio. Mas Portugal, hoje, já se esqueceu. E a Europa, HOJE, vai continuar a consumir recursos energéticos como se não houvesse amanhã - e o irónico, é que acabámos de verificar que pode mesmo NÃO HAVER amanhã. 

Não, não estamos preparados e continuaremos incapacitados em sermos independentes, em termos uma mini soberania energética, só ela possível de se afirmar, em momentos como este (e sim, graças a alguns técnicos - que nem todos certamente são incompetentes). Não há gestão de nada. Não se sabe como fazer. E ainda assim, uma vez mais, bato palmas a todos os que conseguiram manter a ordem pública. Num dia em que tudo poderia ter corrido mal, não ouvi falar em crimes, em mortes, em acidentes. Para aqueles que afirmaram que houve o caos, que tenham provas antes de aparecerem nas televisões a grunhir. As pessoas, embora sem acessos, ainda sabem como se comportar, sejam de que nacionalidade for. E mais, a todos aqueles que, também, afirmam a desgraça da imigração - foi essa imigração que ontem safou muitas pessoas, em muitas localidades, quando os supermercados eram tomados. 

Há muito aqui em que pensar - há muita confusão aqui instalada, mas ainda bem que nestes dias longos, a luz natural se estende até mais tarde. Se isto for o fim do mundo, num mundo de privilégios, que seja em paz. 

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Monday, April 21, 2025

páscoa ou o que resta dela
April 21, 20250 Comments
Michelangelo Merisi, ou Caravaggio (Milão 1571 - Porto Ercole 1610), A Deposição de Cristo (1600-1604)

Depois de um momento a refletir o carnaval - a festa pagã, mitológica, cristã, que desprende os corpos das almas, incendiando tudo o que é devasso e travesso à vida mundana, quase a cair num fogo eterno de excessos que, mais cedo ou mais tarde, irão pautar pelo enjoo e ridículo, entra-se no momento de reflexão. Como também esclarecido. 

E é engraçado, não menos irónico e, como tal, perturbador, escrever este texto alusivo ao momento de recolhimento, de auto-pensamento, no dia em que um homem maior, tão político quanto Cristo e, por esse mesmo motivo, tão real e humano, morre. A última luz ao fundo do túnel. O único Papa que me fez percorrer parte da cidade apenas para um vislumbre, quase como uma coincidência que acredito não ter sido tão coincidente assim. Francisco. Apenas.

O universo também se move de formas misterioresas, tal como os desígnios de deus, para quem nele acredita. 

A Páscoa, o momento de ter fé, de acreditar, mais do que nada, na ressureição, ou na mudança da carne em espírito. E, não deixa de ser, igualmente paradoxal a verdade do tema: sem qualquer espécie de dúvida perante deus, como podemos nós acreditar sequer em algo? O filme Conclave tem uma passagem destas. O filme Dúvida, tem outra similar. 

Enquanto cá estamos, neste plano, nesta terra, podemos apenas esforçarmo-nos pelo melhor, pelo bem maior, pela empatia, pela sinceridade, não desejando nada em troca, embora, no fundo, todos queiramos que nos aconteça algo extraordinariamente bom. E, embora nos esqueçamos logo de seguida, que seja plausível de uma causa-efeito, ao que foi praticado. 

Num fundo todos somos crentes em algo. Na Humanidade, na Ciência, em Deuses (geralmente cometendo os piores dos crimes em seu nome). 

E eu tenho fé no Homem. Sabendo que todos os dias somos brutalmente atacados por desilusão, por negatividade, pela toxicidade que largamos aqui e ali e além. Conhecemos o bom e o mau, sabemos que existem e sabemos ter ambos dentro de nós. 

Por isso, aqui chegados, olho para trás. Sou obrigada a olhar para trás na minha vida e ver o que posso ter conquistado e olhar em frente e ver onde ainda queria chegar. Mas o importante é não estar parado, sair do lugar, ter iniciativa, ler, aprender, questionar, tudo e todos. Não somos nada. Apenas pó de estrelas, eletrões e moléculas orgânicas que alimentam um ciclo eterno. A vida eterna. 

E, quer queira ou não, estou grata pelos ganhos, nem sempre em boa hora, como quero ou desejo. O caminho faz-se caminhando. 

Que todos, todos, TODOS, encontrem o seu, mesmo nos dias mais tenebrosos que agora vivemos. 

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