- Cláudia Paiva Silva

Wednesday, May 02, 2012

Só quem passa por estas situações é que pode medir o sofrimento que é o passar pelas fases de tratamento, a esperança reconquistada quando os exames apontam a uma melhoria significativa e, de repente, vindo do nada, o sacana reaparece, noutro local, onde numa imaginámos que pudesse aparecer, sem se manifestar, sem ser notado pelos exames e análises, sem apelo, nem agravo, simplesmente brutal e mortífero. E depois é tudo rápido demais. Não temos tempo para respirar, "ele" não deixa. Só deixa a preocupação (e a cara de "não te preocupes, vai correr tudo bem"), e a mágoa de sabermos a verdade, mas não deixarmos que a mesma seja revelada por qualquer expressão nossa, por qualquer deslize da nossa parte. Escondemos a nossa DOR para não aumentarmos a DOR dos outros, dos que sofrem fisicamente e psicologicamente. Daqueles que fazem planos para o "depois de já não estar". Aqueles que todos os dias, sabendo do seu desfecho, imprevisível mas certo, sorriem para nós. Aquele sorriso sincero, sem culpas, nem ressentimentos, daqueles que têm de fazer as pazes com a Vida, com o Bom e com o Mau, enquanto nós queremos esmurrar o Mundo, gritar com Deus, culpar tudo e todos, mas não podemos. O Miguel e a Maria João fazem parte daqueles casais antagónicos. Quem os conhece fisicamente saberá do que estou a falar. Lembro-me que quando soube do romance fiquei um pouco incrédula. Afinal o Miguel não é o homem mais bonito à face da terra e a Maria João era uma estampa, mas isso, como se comprova cada vez mais, não quis dizer nada. E quando leio 20 anos, até me custa a a crer que tenha passado tanto tempo, ou pelo menos tão depressa. A Maria João tem lutado nos últimos anos contra a doença. Primeiro na mama, e agora no cérebro. E quem consegue remover um cancro metastásico dum local desses? Muito provavelmente o sacana já tomou outras zonas do corpo, já lhe tomou o sangue, já lhe tomou o gosto. O Miguel está a ser enganado por um amante retorcido e déspota que quer a Maria João só para ele. Que quer a Maria João como propriedade máxima e o pior, é que está a levar a dele avante. Vai ficar com a João... e a João não pode fazer nada. Luta, porque tem de lutar o máximo que pode. Mas o sacana está a abraçá-la, a envolvê-la em leios que quanto mais ela tenta afastar, mais a prendem e enrolam. E  Miguel não consegue dar cabo do sacana, chegar a um canto escuro de uma viela lisboeta e dar-lhe uma lição. Simplesmente não pode. O Amor não morre. Pois não Miguel... mas nós morremos um bocadinho todos os dias com o nosso amor... E, perante isto, não se pode dizer nada mais. 

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