Para mim, o dia de 8 de Março é uma faca de dois gumes, um presente envenenado, envolto numa cobertura deliciosa de apreço e respeito pela Mulher, mas que quando se trinca, sabe logo a fel, tal é a hipocrisia com que é feito.
O problema do 8 de Março não é ser o Dia Internacional da Mulher. O problema é que ao ser um dia para falar de um género, acaba-se por cometer muitos excessos de preferência, de críticas, de análises sociológico-políticas sobre o estatuto, sobre os direitos, sobre aquilo que uma Mulher é ou deixa de ser, só porque outros e outras assim o decidem.
O dia deveria servir para recordar aquelas, bravas, que fizeram frente às comunidades onde estavam inseridas e, dentro das quais morreram ou foram mortas. O dia deveria servir para comemorar essa bravura, essa Vida, que permitiu que outras, agora, tenham a hipótese de ter uma Voz. O problema é a forma como essa Voz é colocada e a mensagem que é transmitida.
É imperioso perceber que em quase 20 anos de existência de internet de acesso livre no nosso país, e praticamente no mundo inteiro, existe todo um mundo de possibilidades em partilhar informação, em dar a cara às declarações, em realizar acções de protesto ou chamar a atenção a determinados temas e assuntos. Não posso contudo esquecer que para uma mulher casada votar foi preciso vir o 25 de Abril e para uma mulher poder ou não escolher se quer ter um filho ou não, temos de regressar somente uma meia dúzia de anos atrás, quando finalmente foi realizado um referendo em que estavas em causa "fetos" ou "amontoados de células", numa grande algazarra que mostrou em pleno que afinal as Feministas da altura não o eram tanto assim (não pelas suas ideias - eu sou feminista, mas não encaro o aborto como a resolução de um "ups" - mas sim pela forma como argumentaram com as outras que eram claramente contra o aborto, numa onda de "insultos religiosos" como se só isso fosse explicação para tudo). Mas não é isso que me irrita nesta hipocrisia. Irrita-me simplesmente o facto de haver mulheres que tentam atirar areia para os olhos achando que por fazermos barulho de fundo as coisas estão a mudar - não estão, de todo, caríssimos. Queremos de facto acreditar que os números das estatísticas estão em baixo, mas na verdade não estão e há fases em que até sobem mais.
O que me irrita no dia 8 de Março é que invés de estarmos constantemente a falar do mesmo, daquilo que agora está na moda, de todos os hashtags possíveis e imaginários, do assédio sexual, deveríamos estar TODOS OS DIAS a educar Homens e Mulheres (principalmente também Mulheres) para serem feministas. É que o feminismo deveria ser de todos - de toda a Humanidade. O feminismo não é mais do que uma declaração de direitos humanos que o género DEVERIA ter. Uma questão tão simples como não sermos descriminadas no que toca a salários, por exemplo, ou posições hierárquicas. Podem até me vir contra que para posições de chefia são poucas as mulheres sequer a concorrer em termos de concursos internos nas empresas - sem dúvida. Mas também é certo que a maioria das empresas não quer uma mulher como directora ou CEO de nada com risco desta decidir ter filhos e passar "temporadas" fora, coisa que com um homem, certamente não acontece. Ou se acontece é numa dosagem muito menor. Tal como acho simplesmente ridículo alguns textos partilhados por plataformas como as Capazes, que se limitam a humilhar constantemente os homens, tentando com isso fazer uma vitimização generalizada do papel da mulher na sociedade e em casa (exemplo: a chatice que é termos de explicar 50 vezes como é que se coloca o programa e detergente na máquina de lavar roupa, como se por acaso, hoje em dia, muitas raparigas o soubessem fazer sequer. Eu sou o exemplo vivo de aos 34 anos, um forno para mim ser um bicho de outro mundo. Engomar roupa? Não sei o que é.), e com isso acabando por ridicularizar as mulheres também, porque se nós fazemos as coisas em casa e já não temos paciência, então é um deixa andar, uma rotina, uma tradição e, um dia, claro, eles sabem que não têm mesmo que se chatear com nada - coisa que, a meu ver, passa bem por uma educação que deve vir de berço, para menino como para menina.
Falando de empregos, é como aquela questão que sempre coloquei, talvez nos últimos 5 anos, um pouco menos: porque é que vejo sempre as mulheres a saírem dos trabalhos mais cedo do que os homens em constante lufa lufa. E porque é que os homens chegam sempre ou quase mais tarde do trabalho? Se a maioria dos horários é igual, alguma coisa não está bem. Pergunto-me se não será pela máxima de, tal como a questão de uma mulher num lugar de topo não conseguir ser boa profissional como chefe de família, o homem, por ser homem, poder ficar até mais tarde porque tem "menos responsabilidades" em casa (ou no horário pós-laboral). Claro que isto não é regra. Em alguns casos que conheço quem sai primeiro vai buscar crianças (se as houver) à escola, trata de trabalhos de casa, banhos e jantares, seja ele ou ela. Mas se formos fazer uma estatística, que está tão em voga, vemos claramente que os números não enganam. Eles fazem menos. E nós fazemos sempre mais. Tudo mais. E não ganhamos mais por isso. Bem pelo contrário. A mesma premissa aplica-se à violência de género. Claro que nós, mulheres, quando damos uma de doidas, temos atitudes piores que eles, mas o certo é que por muita igualdade que queiramos, não poderemos nunca comparar a força física de um homem para uma mulher, logo, a balança inverte-se, e 90% dos casos são de violência de homens contra mulheres. Não é estar a dizer que são menos importantes, ou que não sejam vítimas, claro que também o são. Mas o importante seria educar para que não houvesse estatística nem balança sequer. Violência não! Ponto final! Abuso sexual não! Ponto final! Piropos, flirt? Não vamos começar a exagerar! E aqui há um grande exagero das novas feministas - como se flirt, sedução fossem minimamente comparáveis a assédio. E conseguimos perceber bem a diferença.
Portanto, eu, como se pode constatar, tenho uma relação de amor-ódio a este dia. Mas não me bastava apenas dizer que o acho obsoleto. É que na verdade ele não é. Mas gostaria que num futuro, começasse apenas a ser celebrado pela memória e evocação às Mulheres primeiras que lutaram para e por desbravar num mundo de homens. Desde a Sara dos tempos bíblicos, até a todas e todos que hoje em dias não têm nem tabus, nem, para vencerem na vida, rebaixam e humilhem os seus e suas pares.
(Anjo de Paula Rêgo, roubado à Anabela Mota Ribeiro)